A Justiça do Trabalho condenou uma empresa pública federal a pagar pensão vitalícia e indenização por danos morais, no valor de R$ 50 mil, a um engenheiro que sofreu infarto do miocárdio no local de trabalho e, por falta de atendimento médico imediato, ficou em estado vegetativo. De acordo com o juiz Rossifran Trindade Souza, da 18ª Vara do Trabalho de Brasília, a empresa não cumpriu seu dever de zelar pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

 

O advogado do engenheiro contou, na petição inicial, que em julho de 2011, trabalhando após o horário normal de expediente, seu cliente sofreu infarto no local de trabalho, com parada respiratória grave, e desde então está em estado vegetativo em decorrência de dano generalizado no cérebro por falta de oxigênio. Afirmou que, em razão da ausência de brigadistas no edifício sede da empresa, o trabalhador foi socorrido de forma precária por um colega. Disse ainda que não havia atendimento médico no momento e nem desfibrilador à disposição, e que o SAMU e os bombeiros só chegaram após trinta minutos do ocorrido. Diante desses fatos, pediu o ressarcimento pelos danos material e moral sofridos.

Em defesa, a empresa alegou que não há comprovação de que a atividade do autor da reclamação tenha sido determinante para o acidente, e que o infarto poderia ter ocorrido na residência do trabalhador ou mesmo no final de semana, já que seu risco decorre de fatores multifacetados, como características físicas, genéticas e relacionadas ao cotidiano do empregado. Assim, não se poderia falar em doença ocupacional ou acidente de trabalho no caso, argumentou a empresa. Salientou, por fim, que a alegada ausência de brigadistas não é fator que leve a crer que a doença seria afastada, porque esses profissionais não possuem conhecimento médico ou aparelhos suficientes para uma reanimação cardiorrespiratória, e que a demora no atendimento não decorreria da responsabilidade da empresa.

Desentendimento

O preposto da empresa, mesma pessoa que prestou os primeiros socorros, confirmou que no dia do infarto o trabalhador teve um desentendimento com o representante de uma empresa que participava de concorrência para aquisição de motocicletas, salientou o magistrado em sua sentença. O depoente confirmou, ainda, a demora na chegada do corpo de bombeiros e dos profissionais do SAMU.

De acordo com o magistrado, o artigo 19 da Lei 8.213/1991 define o acidente do trabalho como aquele ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. Já o artigo 20 do mesmo diploma legal estabelece que se considera acidente do trabalho a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente.

O depoimento prestado pelo preposto da empresa, frisou o magistrado, revelou que no dia em que sofreu o infarto o autor da reclamação trabalhava após o expediente regular e teve um desentendimento relacionado à sua atividade laboral. E comprovou a ausência de atendimento especializado imediato, além de falta de aparelho desfibrilador.

Em laudo juntado aos autos, prosseguiu o juiz, a perita judicial concluiu que as afirmações do autor da reclamação tinham amparo técnico-científico a permitir o estabelecimento do nexo de causalidade entre a atividade laboral e a doença, além da direta associação entre o estado vegetativo em que se encontra o trabalhador e o socorro tardio prestado. Ela disse que o infarto do miocárdio é, sim, uma doença multifatorial, mas que o trabalho estressante não pode ser desmerecido como concausa, já que o stress aumenta a produção de glóbulos brancos, os quais em excesso elevam o risco de entupimento das artérias, podendo levar ao infarto.

Da análise das provas, e considerando que o infarto agudo do miocárdio consta da lista de doenças relacionadas ao trabalho, estabelecida pela Portaria 1339/1999 do Ministério da Saúde, o magistrado reconheceu que o estado do trabalhador decorre de doença de trabalho.

Responsabilidade civil

A Constituição Federal instituiu os valores sociais do trabalho como fundamento da República Federativa do Brasil e garantiu a todos os trabalhadores o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, lembrou o magistrado. E o artigo 19 (parágrafo 1º) da Lei 8.213/1991 estabelece que a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, complementou.

Para o juiz, competia à empresa comprovar o cumprimento dos parâmetros mínimos das medidas, que estão estabelecidas na Norma Regulamentadora 4, do Ministério do Trabalho e Emprego. Contudo, salientou o magistrado, o próprio depoimento do preposto empresarial afirmou que no momento do acidente o serviço médico da empresa estava desativado, uma vez que já havia terminado o expediente naquele dia.

O depoimento do preposto, ressaltou o juiz, comprova que a empresa não cumpriu seu dever de zelar pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, no momento em que manteve empregados laborando em suas dependências além do expediente normal sem a manutenção de Serviços Especializados Medicina do Trabalho em funcionamento,  e ainda sem disponibilizar material necessário à prestação dos primeiros socorros. “Como referido adrede, o socorro imediato com a utilização de desfibrilador automático, tal como bem consignado no laudo médico pericial, teria propiciado condições de o autor voltar a respirar a tempo de evitar as lesões cerebrais que o conduziram ao estado que hoje se encontra”.

Indenizações

Por considerar que a responsabilidade civil do empregador, a ocorrência do dano e do nexo causal ficaram evidentes nos autos, o juiz condenou a empresa ao pagamento de uma pensão mensal vitalícia desde a data do acidente, em parcelas equivalentes a 100% de sua última remuneração bruta, incluída a gratificação natalina. A empresa ainda deverá de arcar com o custeio integral das despesas médicas e de enfermagem do trabalhador.

“O caso em questão, dados os fatos narrados, em especial o estado de saúde no qual se encontra o reclamante, por evidente, desafia a configuração de danos ao seu patrimônio imaterial”, ressaltou o juiz ao estipular em R$ 50 mil o valor da indenização por danos morais a ser paga ao trabalhador, em face da gravidade dos fatos relatados nos autos.

Recurso

A empresa chegou a recorrer dessa decisão ao Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, por meio de recurso ordinário, mas a Terceira Turma da Corte manteve a sentença de primeiro grau.

Fonte: TRT10