“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Art. 5º, caput da Constituição da República Federativa do Brasil/1988. 

 “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Art. 5º, caput da Constituição da República Federativa do Brasil/1988.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de outubro de 1988 inaugurou no Brasil um novo marco de consolidação dos direitos sociais, ensejando uma nova ordem jurídica capaz de reconhecer as diversidades social, econômica, cultural e política do País, com vistas a estruturação do Estado Democrático de Direitos.

 Tal proposta se expressa logo nos primeiros artigos de nossa Magna Carta, na qual aponta-se como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Art. 3, I), com primazia na busca pela erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais (Art. 3º, III), colocando como elemento fundamental a busca pela promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, IV), qual seja a dicção Constitucional:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - 

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

 

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Dessa norma constitucional, orientamos uma prioritária análise à importância dada pelo legislador constituinte à necessidade de colocar no topo da agenda nacional a redução das desigualdades sociais, econômicas, culturais e políticas existentes no Brasil, nos marcos da construção do estado Democrático de Direitos, com a primazia do princípio da dignidade humana e do respeito às liberdades individuais e coletivas.

 Assim corre a formulação doutrinária e jurisprudencial no Brasil acerca da importância de se discutir na esteira do Estado de Direitos, como o Acesso à Justiça, preceito fundamental, constitucionalmente assegurado na CF de 1988, corresponde às expectativas de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos e constrói as bases para a efetivação de nosso sistema de justiça. Nessa esteira que observamos as decisões de egrégio Tribunal Superior, consolidando precedentes para garantia de direitos fundamentais. Se não vejamos:

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SUS. ESCLEROSE MÚLTIPLA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. PROVA CABAL DA AUTORA SOBRE SUA NECESSIDADE. DEVER CONSTITUCIONAL. OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE ASSEGURAR ÀS PESSOAS O ACESSO À MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERADOS. PRECEDENTES. 1. A Constituição Federal de 1988 (art. 1º, III), ao dispor sobre a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado  Democrático de Direito, reconheceu que o Estado existe em função da pessoa humana, uma vez que sua finalidade precípua é o próprio ser humano.[...].(STF - RE: 1065332 RJ- RIO DE JANEIRO 0000026-89.2001.4.02.5102, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 02/10/2017, data de Publicação: DJe-228 05/10/2017).

Nesses marcos, questionando posição do legislador derivado na proposição e aprovação da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, conhecida como Reforma Trabalhista, a qual modifica aspectos importante do acesso à Justiça e à gratuidade constantes no Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho, iniciamos uma breve discussão acerca da ampliação das desigualdades sociais e a violação dos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, acesso à justiça e erradicação da pobreza. Tais normas infralegais mitigam, ainda que de forma mediata, o direito de ação dos trabalhadores, restringindo que estes sejam autores de ações referentes a reclamação de contratos oriundos de relação de trabalho descumprido e violação de direitos sociais e do trabalho, junto à Justiça do Trabalho brasileira.

 O acesso à gratuidade de justiça à lua da Reforma Trabalhista

Segundo o Relatório “Justiça em Número de 2018”, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, em média, a cada grupo de 100.000 habitantes, 12.519, em termos relativos, ingressaram com uma ação judicial, no ano de 2017, no Brasil. Na justiça trabalhista os índices chegaram a 35.968 novas ações, em termos relativos, somente em 2017.

No mesmo relatório, aponta-se que com a assistência judiciária gratuita, entendida esta como gastos destinados ao deferimento de liquidação para custeio de remuneração de tradutor/intérprete, peritos e de advogados dativos e ao pagamento de outros custos pela realização de atos gratuitos, foram gastos o equivalente a 0,62% do total das despesas do Poder Judiciário e ao custo de R$ 2,73 (Dois reais e setenta e três centavos) por habitante. No âmbito da Justiça do Trabalho, a Assistência Judiciária Gratuita, no ano de 2017, foi concedida à 1.449.298 (Hum milhão, quatrocentos e quarenta e nove mil, duzentos e noventa e oito) cidadãos.

Tais dados nos revelam o quanto  o direito constitucional ao acesso à justiça (Art. 5º, XXXV, CF/88) e à assistência jurídica integral e gratuita (Art. 5º, LXXIV, CF/88), embora amplamente acessada pela população, gera ônus orçamentário insignificante aos cofres públicos, ensejando, pois, o cumprimento necessário da função do Estado de garantir aos seus federados a estrutura de um Estado atuante, conforme as prerrogativas do Estado Democrático de Direitos.

Nessa esteira, trazemos à baila a discussão acerca do texto infraconstitucional aprovado em 13 de julho de 2017, em razão da Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, que modifica os parâmetros de acesso à Justiça Trabalhista gratuita, nos contornos do que preceituou a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Com foco nos artigos 790-B , caput e §4º; 791-A, §4º , e 844, §2º , da CLT, alterados pela novel Lei, construímos uma compreensão de que tal lei, além de violar os preceitos constitucionais dos direitos fundamentais, principalmente no que tange à isonomia (Art.5º caput), qual seja: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes

impõe restrições inconstitucionais às garantias fundamentais de assistência jurídica integral e gratuita e do acesso à justiça, afrontando também os princípios fundamentais da dignidade da 

  Art. 790-B.  A responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita. § 4o  Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referida no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.                (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

  Art. 791-A.  Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.                     § 4o  Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.                        (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

  Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. § 2o  Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.                    (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

pessoa humana e os objetivos fundamentais de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como de redução das desigualdades sociais, uma vez que dificulta ou mesmo restringe o direito de milhares de cidadãos, que vivem sob a constituição de contratos de trabalho, de acionar o Poder Judiciário para cobrar o cumprimento efetivo de seus direitos, também reconhecidos constitucionalmente, além de mitigar o direito de usufruto dos hipossuficientes do direito à condições dignas de trabalho e de vida.

Art. 5º

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[...]

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

Controverso, pois, apesar de preceituar novel regramento infraconstitucional acerca da necessidade de o trabalhador arcar com as custas processuais, após ter obtido qualquer crédito em processos na justiça, revogando sua condição de hipossuficiente frente ao custeio das despesas processuais, a própria jurisprudência dos tribunais superiores tem apontado entendimento de que não se deve explorar a condição de êxito em matéria processual para se negar o direito à gratuidade, uma vez que, em que pese ter obtido créditos de natureza alimentar e laboral, tal monta em nenhuma hipótese configura enriquecimento sem causa ou litigância de má-fé, de modo a modificar substancialmente as condições materiais do obreiro . Qual seja decisão do Tribunal Superior do Trabalho:

RECURSO DE REVISTA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA E DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DO RECLAMANTE.  Nos termos da jurisprudência desta Corte, o fato de o obreiro ter recebido verbas rescisórias e indenização pela adesão ao PDV, bem como remuneração muito superior a dois salários mínimos, não é suficiente, por si só, a demonstrar que ele está em situação econômica que lhe permite demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. Com efeito, se o demandante apresenta a declaração de pobreza, presume-se que a sua remuneração, ainda que superior a dois salários mínimos, não permite o pagamento das custas processuais sem prejuízo do sustento próprio e de sua família. [...]. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST - RR: 1131734291751180014, Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 10/04/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/04/2019).

Notório é o caminho de garantir que seja usufruído o direito de acesso à justiça ao trabalhador hipossuficiente, entendimento não considerado pelo legislador.

Cabe destacar que artigos destacados, bem como outros de relevante impacto para a vida dos trabalhadores brasileiros submetidos à relações desiguais de trabalho, encontram-se em discussão no Supremo Tribunal Federal - STF, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI, intitulada ADI 5766, sob relatoria do Ministro Roberto Barroso, visto destaques supra expostos em referência à  violação dos direitos fundamentais e sociais a que a nova lei submete os cidadãos brasileiros, colaborando para o alargamento das desigualdades sociais e à subalternização e precarização das relações de trabalho e restrição do direito ao acesso à Justiça.

Além da Constituição da República, o direito fundamental de acesso à Justiça também é protegido por normas internacionais, notadamente pelo artigo 8º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que assim dispõe:

“Art. 8º Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.”

Verifica-se, pois, tratar-se de preceito duplamente considerado pelo ordenamento brasileiro e que, portanto, não é passível de flexibilização, tampouco de ataque, subsidiado no discurso majoritário de que a gratuidade de acesso à justiça e a assistência jurídica precisa ser reformulada para promover a desoneração dos gastos públicos com o Sistema de Justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Visto ser a desigualdade um tema de envergadura constitucional nos marcos do Estado Democrático de Direitos a que o Brasil adotou em face da Assembleia Nacional Constituinte, que deu fundamentos à Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, cabe dar total visibilidade ao tema da restrição ao acesso à gratuidade de justiça e assessoria jurídica integral e gratuita no âmbito da Reforma Trabalhista.

Necessário se faz ampliar o debate acerca dos impactos sociais e econômicos que esta medida tem na vida dos cidadãos brasileiros e no alargamento das desigualdades sociais e precarização das relações de trabalho a que estarão submetidos os obreiros, em razão de sua atividade laboral.

Em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5766, diversas entidades de  classe tem apresentado, sob a figura de amicus curiae, estudos mais elaborados acerca dos impactos sociais, econômicos e históricos às estruturas do sistema de justiça do Trabalho, de modo que, uma das formas mais contundentes de resolução desta disparidade nas relações de acesso à justiça, de modo a garantir o cumprimento dos preceitos constitucionais é, garantir a declaração de inconstitucionalidade dos artigos modificativos da CLT e estruturar novos parâmetros que garantam o acesso à justiça, o devido processo legal e a supremacia dos princípios da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 02/06/2019.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm. Acesso em: 02/06/2019.

BRASIL. Lei nº 13.467/2017. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm. Acesso em: 02/06/2019.

BRASIL. Convenção Interamericana de Direitos Humanos. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em: 02/06/2019.

CNJ.Justiça em Números 2018: ano-base 2017. Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ.2018.http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/08/44b7368ec6f888b383f6c3de40c32167.pdf. Acesso em: 02/06/2019.

CONJUR. Voto Fachin Reforma Trabalhista. https://www.conjur.com.br/dl/voto-fachin-reforma-trabalhista.pdf. Acesso em: 02/06/2019.

JJUSBRASIL. Jurisprudência. https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/697768007/recurso-de-revista-rr-113173420175180014?ref=serp. Acesso em: 02/06/2019.

 

Por Ranyelle Barbosa

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Ex- Diretora Nacional de Políticas Públicas, Trabalho e Estágio da União Nacional dos Estudantes.