Audiência pública sobre a questão da “pejotização” (Tema nº 1389 de repercussão geral no STF)

Otavio Pinto e Silva

No julgamento de recurso extraordinário com agravo interposto contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que julgou improcedente uma reclamação trabalhista, declarando a licitude do contrato de prestação de serviços firmado entre as partes e afastando a existência da relação de emprego, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, reconheceu a repercussão geral da matéria constitucional debatida.

Diante disso, foi proposta a discussão do Tema nº 1389 de repercussão geral, para apreciar a “competência e ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços; e a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”.

No dia 14 de abril de 2025 a sociedade brasileira foi surpreendida com a decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes determinando a suspensão nacional da tramitação de todos os processos que tratem das questões relacionadas ao Tema 1.389 da repercussão geral, até julgamento definitivo do recurso extraordinário.

Desde então, grande tem sido a preocupação de todos aqueles que militam na área trabalhista com os rumos do referido julgamento: afinal, o assunto tem um potencial disruptivo capaz de abalar as estruturas construídas ao longo de toda a história do direito do trabalho no Brasil.

E agora no dia 03 de julho de 2025 o Ministro Gilmar proferiu novo despacho, convocando audiência pública para o depoimento de autoridades e membros da sociedade em geral que possam contribuir com esclarecimentos técnicos, contábeis, administrativos, políticos e econômicos sobre o tema. 

A previsão é a de que essa audiência venha a acontecer no próximo mês de setembro, sendo que o Ministro apontou em seu despacho as seguintes questões a serem enfrentadas e esclarecidas na audiência pública:

1) O que se entende por pejotização e qual a dimensão atual desse fenômeno na economia brasileira?

2) Quais são os elementos fáticos e jurídicos que distinguem a relação de emprego regida pela CLT da contratação autônoma ou via pessoa jurídica para prestação de serviços?

3) Quais requisitos da relação de emprego podem estar presentes na pejotização (subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade)?

4) Quais são os elementos necessários para a configuração de fraude na formalização de contrato para prestação de serviços por autônomos e por pessoas jurídicas?

5) Quais são os requisitos necessários para a configuração da hipossuficiência do trabalhador ou do prestador de serviços?

6) A quem incumbe comprovar a existência (ou não) de fraude: ao trabalhador/contratado ou à empresa contratante?

7) Quais os efeitos da pejotização na proteção dos direitos trabalhistas?

8) Quais os possíveis prejuízos no acesso aos benefícios previdenciários (INSS) e ao FGTS para trabalhadores submetidos à pejotização?

9) Quais são as vantagens financeiras e tributárias auferidas pelos trabalhadores que prestam serviço com habitualidade por intermédio de pessoa jurídica ou de forma autônoma?

10) Quais fatores têm levado um número cada vez maior de brasileiros a preferirem o trabalho por conta própria, mediante mecanismos alternativos ao regime da CLT?

11) Qual é o impacto da pejotização para as empresas contratantes?

12) Quais mudanças podem ser feitas pelo Congresso Nacional na legislação previdenciária para atenuar eventual impacto causado pela adoção cada vez mais ampla da pejotização?

13) Qual o impacto financeiro da pejotização na arrecadação tributária da União e no equilíbrio atuarial do sistema previdenciário?

14) Como se dá o tratamento tributário de pessoas físicas versus pessoas jurídicas no contexto da pejotização? Ele incentiva ou desincentiva o fenômeno?

15) Existem experiências internacionais de regulação da pejotização que possam servir de referência para o Brasil?

16) Quais alternativas regulatórias poderiam ser adotadas para coibir fraudes sem prejudicar modelos legítimos de contratação por pessoa jurídica?

17) Como a Justiça do Trabalho tem interpretado e decidido, atualmente, casos envolvendo pejotização?

18) De que maneira a pejotização impacta a negociação coletiva e a representatividade sindical dos trabalhadores?

São questões relevantes e que devem ser debatidas com serenidade e profundidade, tendo em vista que cabe ao STF a guarda da Constituição, mas respeitadas as manifestações de todos os setores da sociedade, pela repercussão que o julgamento terá no nosso modelo de relações de trabalho e no próprio desenho institucional do sistema de justiça. 

Quando da publicação da decisão que suspendeu nacionalmente os processos em tramitação acerca do tema, tivemos a oportunidade de divulgar nota em nome da OAB/SP para externar o nosso entendimento de que a questão da competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços deve ser analisada à luz do artigo 114, inciso I, da Constituição Federal, quando prevê que cabe à justiça especializada processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Vale dizer: é a Justiça do Trabalho quem detém a competência para apreciar a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços em cada situação concreta, à luz dos fatos alegados e provados. Será importante, então buscar demonstrar na audiência pública que esse entendimento não afronta aquele firmado pelo STF no julgamento da ADPF 324 (que reconheceu a validade constitucional de “diferentes formas de divisão do trabalho” e a “liberdade de organização produtiva dos cidadãos”).

Afinal de contas, o artigo 9º da CLT prevê que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”: assim, se na causa de pedir de uma ação judicial tiver sido invocado o referido preceito legal, é mesmo a Justiça do Trabalho (e nenhum outro órgão do Judiciário) quem detém a competência de julgá-la.

Quanto à questão do ônus da prova nas referidas ações judiciais que debatem a existência de fraudes trabalhistas, nos parece que a matéria seja infraconstitucional, a ser resolvida em cada caso concreto com a aplicação dos artigos 818 da CLT e 373 do CPC, podendo ser adotada a teoria da carga dinâmica, diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo probatório ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

É o momento, assim, de uma ampla mobilização nacional para debater o Tema nº 1389: OAB, universidades, sindicatos, centrais sindicais, empresas, associações da advocacia trabalhista, da magistratura do trabalho, do Ministério Público do Trabalho, de servidores da Justiça. 

Em defesa do direito do trabalho e da competência constitucional da Justiça do Trabalho!