Você trabalharia cerca de seis horas por dia sob o sol, sem remuneração? E se fosse para uma competição internacional, como Fórmula Um, Olimpíadas e Copa do Mundo? É exatamente a oportunidade de participar de eventos desse porte que motiva Taciana Paim, aluna do curso de Comunicação Organizacional da Universidade de Brasília (UnB) e uma das 14 mil pessoas que fazem trabalho voluntário durante a Copa das Confederações.
"É uma experiência importante você trabalhar em um evento internacional. Saber como funcionam os bastidores. Tive acesso a muitos lugares no estádio e conheci muita gente", explicou Taciana. Ela prestou serviço na abertura do evento em Brasília, com o jogo Brasil e Japão, no setor de imprensa da Fifa, auxiliando os jornalistas que cobriam o evento. Trabalhou cerca de seis horas por dia, de quinta-feira a domingo, sem remuneração, além do transporte, alimentação e o uniforme (mochila, camiseta, calça, meias e tênis).
A satisfação da universitária se enquadra na finalidade do programa de trabalho voluntário da Fifa, divulgada no site da entidade: "é uma oportunidade de milhares de pessoas do Brasil e do mundo participarem da Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014 com a cessão do seu tempo e da prestação de serviços ao Comitê Organizador Local".
A Fifa trabalha com sete mil voluntários para a Copa das Confederações e arregimentará mais 15 mil para a Copa do Mundo no próximo ano. O Ministério do Esporte contratou mais sete mil voluntários agora e prevê a arregimentação de mais 50 mil para a 2014.
Legalidade
Para utilizar o trabalho não remunerado, a Fifa se valeu da "Lei do Serviço Voluntário" (Lei 9.680/98), que permite o trabalho voluntário prestado à entidade sem fins lucrativos. A entidade, pela sua constituição, não tem fins lucrativos, embora eventos com a Copa do Mundo envolvam cifras bilionárias.
Em junho do ano passado, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para discutir se a Fifa poderia utilizar o trabalho voluntário no país. A iniciativa foi do deputado Laercio Oliveira (PR-SE), que questionou a possibilidade da entidade utilizar esse tipo de mão de obra. "Não me parece que os interesses em jogo em uma Copa do Mundo, que movimenta bilhões de dólares, possam ser enquadrados no serviço voluntário nos termos da Lei 9.608/98", afirmou.
No entanto, a secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho, Vera Lúcia Albuquerque, afirmou na Comissão que o trabalho voluntário na Copa do Mundo de 2014 e na Copa das Confederações está de acordo com a Lei do Serviço Voluntário. Ela garantiu que a fiscalização está atenta para evitar que haja a exploração desses prestadores de serviços.
Voluntários
De acordo com a Lei, considera-se serviço voluntário "a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos". Esse tipo de trabalho não gera vínculo empregatício nem obrigação de natureza trabalhista, mas deve haver o pagamento de gastos feitos pelos voluntários, como transporte e alimentação.
O trabalho voluntário acontece hoje em várias áreas de atividades no país, que englobam serviços como assistência à população carente, o trabalho em igrejas, em campanhas eleitorais e eventos esportivos internacionais, como Fórmula Um e Copa do Mundo.
Ao julgar processo em que um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus conseguiu vínculo de emprego (RR – 19800-83.2008.5.01.0065), o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Martins Filho afirmou que a Lei 9.608/98 contemplou o serviço religioso como voluntário. No entanto, esse serviço deve ser "prestado sem a busca de remuneração, em função de uma dedicação abnegada em prol de uma comunidade, que muitas vezes nem sequer teria condições de retribuir economicamente esse serviço, precisamente pelas finalidades não lucrativas que possui".
Ives Gandra, que foi relator do processo na Sétima Turma do TST, explicou que o caráter "comercial" da Igreja permitiu que fosse reconhecido o vínculo do pastor evangélico.
Isenção
Segundo estudo do Ministério do Esporte, a Copa do Mundo vai gerar 330 mil empregos permanentes e 380 mil temporários. Somente o Governo investirá cerca de R$ 25 bilhões em mobilidade urbana, construção de estádios, aeroportos e portos.
Em alguns casos, a Fifa também utiliza normas legais criada pelo país sede para o evento esportivo, como a Lei Geral da Copa, aprovada pelo Congresso Nacional. Por essa Lei, a Fifa e as empresas parceiras da entidade estão livres do pagamento de impostos na realização das copas das Confederações deste ano e do Mundo do próximo ano. O mesmo não ocorre com os trabalhadores que prestam serviços, que são obrigados a pagar uma parte do imposto que caberia à entidade internacional ou suas parceiras.
O trabalhador autônomo paga normalmente 11% sobre o salário de contribuição ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), com uma contrapartida de 20% pelo empregador. Pela Lei Geral da Copa, a Receita Federal cobrará uma alíquota de 20% do trabalhador, ao invés dos 11% recolhidos pela legislação previdenciária em vigor no país.
(Augusto Fontenele)