Recentemente, a Turma Recursal de Juiz de Fora examinou um recurso envolvendo um caso sui generis : um advogado especializado na área trabalhista que pedia o vínculo de emprego com a rede varejista para a qual atuou por quase 20 anos. Entendendo que o ônus de provar a autonomia era da reclamada, sendo admitida a prestação de serviços, e convencido pela prova produzida de que a relação havida entre as partes era mesmo a de emprego, o juiz de 1º Grau reconheceu a pretensão. Mas o juiz convocado José Nilton Ferreira Pandelot, relator do recurso apresentado pela ré, teve outra visão sobre o caso e reformou a sentença.
O fato de se tratar de advogado atuante na área trabalhista influenciou no julgamento. Para o relator, é evidente que ele detinha pleno conhecimento e domínio de sua situação profissional. “Seria ofensivo à razoabilidade não reconhecer que o trabalho como advogado correspondente é o modelo que mais se aproxima da realidade vivenciada entre as partes. Essa é a presunção que deve governar o caso concreto, e não a regra geral segunda a qual o vínculo se presume até prova em contrário”, registrou no voto. Ele considerou que o ônus da prova não poderia ser imputado à reclamada, cabendo sim ao advogado.
E foi aí que a situação se inverteu. A começar por uma mensagem eletrônica em que o próprio reclamante se descrevia como advogado autônomo, demonstrando que sempre foi tratado como prestador de serviços autônomos. “Ressoa pouco crível a alegação de que a reclamada ludibriou o reclamante com uma falsa promessa de anotação (da CTPS, presume-se), conforme dito na causa de pedir”, deduziu o julgador.
Também chamou atenção do magistrado um e-mail em que o reclamante lamentava o afastamento da antiga responsável do Departamento Jurídico, colocando-se à inteira disposição “para eventuais préstimos” e agradecendo “a confiança que nos foi depositada durante todos esses anos” (sic). Na visão do relator, as mensagens não demonstram qualquer indignação de quem se disse ludibriado por quase duas décadas. No mesmo email, o reclamante questionava “como ficará nossa situação perante a empresa” (sic) .
O juiz convocado não enxergou no contexto probatório qualquer angústia do advogado com evento passado, mas sim com o futuro. Com base em detida análise das mensagens, ele constatou que a relação entre as partes foi se desgastando nos últimos tempos. O tom ríspido foi aumentando, chegando o reclamante a se expressar em mensagem de uma forma que nunca seria utilizada por um empregado.
No voto, o magistrado registrou que eventuais cobranças, mesmo que incisivas, em torno de informações processuais, não podem ser tidas como estranhas ao universo das relações contratuais de caráter civil travadas no âmbito jurídico-empresarial. Ele ponderou ser natural a cobrança mútua entre parceiros contratuais. E entendeu que a grosseria e falta de urbanidade demonstradas não comprovam a subordinação jurídica própria do contrato de trabalho.
“Como o autor poderia ser remunerado pelos serviços prestados em dado mês sem que tivesse que dar ciência à parceira contratual de todos os atos praticados”, questionou, ainda, referindo-se a relatórios apresentados sobre as audiências realizadas e outros atos processuais praticados. Na sua ótica, isso também não prova a relação de emprego.
Passando à prova oral, o julgador se baseou nas próprias declarações do reclamante para concluir que não havia pessoalidade na relação. É que ele próprio admitiu a participação de outros advogados do escritório na representação da ré. “Apostando na ingenuidade da Justiça, justifica essa participação sob a alegação de que ‘a própria reclamada contratava um dos advogados do escritório do depoente’ quando havia coincidência de horários”, observou no voto.
Nem mesmo as declarações consideradas “comprometedoras” do representante da ré fizeram o relator mudar de ideia. Embora o preposto tenha afirmado que somente o reclamante realizava as diligências nos últimos anos, o próprio advogado admitiu que, pelo volume de serviços, a pessoalidade não seria possível. Nesse sentido, esclareceu que havia divisão de tarefas com os colegas de escritório.
Finalmente, a subordinação mencionada pelo preposto foi considerada relativa ao fato de que as peças eram produzidas no departamento jurídico e apenas endossadas pelo reclamante. E a dispensa referida pelo representante da empresa foi reconhecida como sendo o rompimento da relação no mundo dos fatos. Quanto ao termo de rescisão (que não veio aos autos, como observou o magistrado), foi considerado alusivo ao acerto das pendências após o encerramento da relação jurídica.
“São declarações, de todo modo, incapazes de ofuscar a prova já analisada e, sem dúvida, insuficientes para conferir o status de relação jurídica de emprego à relação mantida entre o advogado trabalhista e a ré por quase vinte anos”, concluiu o relator, reconhecendo que os serviços de advocacia desenvolvidos se deram na condição de advogado correspondente, inclusive sem pessoalidade, descaracterizando a existência de relação de emprego nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT.
Por maioria de votos, a Turma de julgadores deu provimento ao recurso e absolveu a empresa varejista da condenação.
Fonte: TRT 3