TST: inspetora ganha horas extras por não ter intervalo para recuperação térmica

A Marfrig Alimentos S.A. terá de indenizar uma empregada que trabalhava em ambiente artificialmente refrigerado e não usufruía do intervalo previsto em lei. Conforme o artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o trabalhador tem direito a intervalo para recuperação térmica de 20 minutos a cada 1 hora e 40 minutos laborando em tal condição.
 
A decisão da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) se deu em agravo de instrumento da empresa, que pretendia ter julgado seu recurso de revista pela Corte. O colegiado negou provimento ao agravo de forma que permaneceu a condenação imposta pela primeira instância, ratificada posteriormente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP).
 
Em sua reclamação trabalhista, a mulher alegou que muitas vezes atuava como inspetora de qualidade em ambiente artificialmente frio, de forma a sofrer constantes trocas de temperatura no deslocamento entre vários setores. Com isso pleiteou o recebimento de horas extras suplementares a serem incorporadas às suas verbas rescisórias com reflexos em férias, 13º salário, FGTS e demais direitos, relativos às horas trabalhadas que deveriam ser de descanso.
 
Por sua vez, a defesa da empresa sustentou em contestação que o trânsito da empregada pelos ambientes mencionados não lhe daria direito a percepção do intervalo pleiteado. "Estes jamais se enquadraram na forma preconizada no artigo 253 da CLT, e tais alternâncias, ou mesmo a permanência em ambiente frio nunca foram por período superior a 1 hora e 40 min, conforme determina a lei".
 
Sustentou ainda que a temperatura a que a trabalhadora estava submetida nestas ocasiões oscilava entre a mínima de 14°C e máxima de 25°C. "Portanto não inferior a 12°C, como pretende o legislador quando disciplina a matéria, a fim de exigir o intervalo para recuperação térmica. O setor em que trabalha a reclamante, não pode ser considerado câmara fria", concluiu.
 
O juiz de primeiro grau não acolheu os argumentos da Marfrig. Conforme a decisão, há prova pericial de que que o ambiente de trabalho da reclamante poderia ser considerado artificialmente frio, de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 253 da CLT.
 
A sentença expressa que "o dispositivo da CLT deve ser interpretado a partir do princípio da proteção ao trabalhador, visando a preservação da saúde do empregado, buscando minimizar os efeitos maléficos das baixas temperaturas e variações térmicas artificialmente impostas pela atividade empresarial".
 
Desta forma, a Marfrig foi condenada a pagar à mulher 20 minutos a título de horas extras a cada 1 hora e 40 minutos trabalhadas em ambiente artificialmente resfriado. Para a apuração da quantidade de horas devidas, foi determinada a utilização dos registros constantes nos cartões de ponto juntados aos autos.
 
Em recurso ao TRT-15, a empresa também não teve sucesso. Seu argumento foi de que o local de trabalho em questão não se trata de câmara frigorífica. "Entender que todo e qualquer ambiente artificialmente resfriado seja considerado como câmara fria é inaceitável. Na câmara frigorífica se congela o produto. Outros ambientes, artificialmente resfriados, servem apenas para resfriar o produto, razão pela qual não pode ser considerado idêntico ou análogo para a caracterização da condição ensejadora do intervalo", frisou a defesa.
 
Ao negar provimento ao recurso ordinário, o TRT consignou que o artigo 253 da CLT admite interpretação extensiva, englobando não apenas o trabalhador que labora em câmara frigorífica, mas também aquele que permanece continuamente em ambiente artificialmente frio. Também negou seguimento ao recurso de revista que a empresa pretendia ter julgado no TST, por considerar que as decisões anteriores são consonantes com a jurisprudência da Corte Superior.
 
A inconformidade da empresa com o resultado dos julgamentos originou o agravo de instrumento apreciado no TST pela Terceira Turma, sob relatoria do ministro Mauricio Godinho Delgado (foto). Conforme seu voto, acompanhado unanimemente, o desempenho das atividades em ambiente dotado de circunstância diferenciada (frio artificial) é que gera o direito ao período de descanso, sendo irrelevante que o nome dado ao local de trabalho não seja "câmara frigorífica".
 
Acrescentou que a jurisprudência da Corte é firme no sentido de que o não usufruto do intervalo para os que laboram em tais condições gera o direito ao recebimento do período como se fosse efetivamente trabalhado.
 
"Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória", concluiu o relator.
 
(Demétrius Crispim/MB)
 
Processo: AIRR – 69600-65.2009.5.15.0062