E “urbanidade” é civilidade, cortesia, polidez, sociabilidade, que é o mínimo que se pode esperar de um magistrado. O oposto é agir com chavasquice, estupidez, indecorosidade, brutalidade, desconsideração, barbaria ou selvajaria.
O Brasil teve o desprazer de ler e ouvir um membro do Supremo Tribunal Federal, de público, em evento igualmente público, disparar mais uma das suas agressões e afirmar que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) é um “laboratório do PT”. Além da ilegalidade – porque agiu contra os comandos postos na Loman – Gilmar Mendes fez mais uma exibição de grosseria e, dessa vez de forma mais explícita, adotou ativismo de pleno exercício de atividade político-partidária. E chega a usar de idênticas expressões utilizadas, corriqueiramente, por políticos e por partidos em relação aos quais sempre se mostrou alinhado.
Michel Foucault (“A Ordem do Discurso”, Ed. Loyola, 2002, pág. 11) ensina que “era através de suas palavras que se reconhecia a loucura do louco”. No caso, palavras líquidas, que transbordam o comportamento educado e respeitoso para, numa enxurrada advinda de intoxicações éticas, agredir com violência desmedida a magistrados que honram o direito e dignificam a Justiça.
Já seria condenável que aquele cidadão, em razão do cargo que ocupa, aliás, decorrente de evidente “aparelhamento” (que agora estranhamente diz condenar), manifestasse, tão repetidamente, suas preferências políticas.
Porém, em decorrência de tais opções político-partidiárias, não tem o direito de agredir, com brutalidade e violência, a outros magistrados, os quais, estes, sim, os do TST, dignificam a toga, honram o Judiciário, com enorme volume de trabalho, notável competência, que julgam com ponderação, com moderação, conscientes de que estão lidando com o mais importante segmento do direito, porque toca na vida e na sobrevivência de todos os brasileiros.
Os Ministros do TST buscam, diariamente, o equilíbrio que mantenha o Direito do Trabalho dentro do esquadro do projeto posto na Constituição Brasileira, na qual não consta apenas o prestigiamento à chamada “livre iniciativa”, mas, sobretudo, aos “valores sociais do trabalho”, conscientes de que a ordem econômica está fundada nessa “valorização do trabalho humano” na busca de uma “justiça social”, justiça essa certamente do total desconhecimento daquele cidadão.
Da mesma forma que o Judiciário não é e nem pode ser um “laboratório” de Partido político que defende trabalhadores, qualquer que seja ele, por certo, também não será e nem deverá ser convertido em departamento de entidades patronais, que só ativam atitudes predatórias ao trabalho humano, como uma das formas de manter sob seu rígido controle os passos da democracia. E nem será um organismo de troca de subalternidades com o Executivo.
A ciência jurídica e a imparcialidade devem estar no comando.
O direito não se faz com subserviência aos poderosos, os quais já ditam e editam as normas.
O direito se faz para atingimento do bem-estar, da solidariedade, da fraternidade. Ou seja, no dizer preciso de Boaventura de Sousa Santos (“Para uma Revolução Democrática da Justiça”, Ed. Cortez, 3ª edição, 2011, pág.15) é necessário que “se amplie a compreensão do direito como princípio e instrumento universal da transformação social”, em especial no Brasil, onde se alargam a opressão, a exclusão e a discriminação, fontes permanentes de milhões de desemprego e de desempregados, o que aumenta as lutas jurídicas e, no dizer de Boaventura, devolve “ao direito o seu caráter insurgente e emancipatório”.
A negativa desse fenômeno, que está à vista de todos, é que se mostra, sim, uma autêntica atitude “laboratorial” de determinados Partidos políticos e de alguns raros setores do País, que insistem no retrocesso, que apostam na violência, que se alimentam de repetidos golpes na democracia.
O País precisa mesmo “aparelhar” o Judiciário, Ministro Gilmar Mendes. Necessita um aparelhamento com seres humanos dignos, que tenham postura, conduta, comportamento; que saibam respeitar; que sejam hospedeiros das reivindicações civilizatórias; que não tratem os demais com brutalidade, falta de educação e sem urbanidade.
A ABRAT repudia as deselegantes e lamentáveis declarações do Ministro Gilmar Mendes. Repudia sua violência e sua agressão.
Ao contrário, a ABRAT manifesta solidariedade a todos os Ministros que compõem o Tribunal Superior do Trabalho – TST, os quais tiveram suas honras agredidas, suas imparcialidades atacadas. O TST pode ser um “laboratório”. Mas um laboratório estritamente jurídico, composto por pessoas dignas e honradas, que escolheram aplicar o direito sem obediência cega aos poderosos, que optaram em julgar com liberdade.
Respeito, dignidade e liberdade parece não serem atributos fáceis e corriqueiros na atualidade. Mas com certeza integram os currículos de todos os Ministros que compõem o TST e que honram e dignificam o Poder Judiciário no Brasil. E não serão palavras embrutecidas pelo ódio e pelo desequilíbrio que irão privar juízes de decidirem com liberdade.
Roberto Parahyba de Arruda Pinto
Presidente