Segundo informações do acórdão, o trabalhador foi contratado pela Boate Kiss como gerente de copa em fevereiro de 2012. Estava em serviço no dia 27 de janeiro de 2013, quando um incêndio de grandes proporções atingiu a boate e matou 242 pessoas, entre frequentadores do estabelecimento e trabalhadores do local. Na época, o gerente estava com 33 anos. Sua esposa estava grávida e a filha nasceria um mês e meio após a tragédia, em 15 de março.
Posteriormente, como constituintes da parte sucessora do empregado, ambas ajuizaram ação na Justiça do Trabalho pleiteando a indenização por danos morais e por danos materiais, essa última em forma de pensionamento mensal. Na inicial, alegaram que a Boate Kiss desrespeitou diversas normas de segurança, principalmente aquelas relacionadas a ocorrência de incêndios, tais como falta de saídas alternativas em caso de emergência, sinalização precária e uso de materiais inflamáveis como revestimento do teto. Também alegaram que era permitido o uso de fogos de artifício como parte de espetáculos realizados na Boate, o que aumentaria os riscos para frequentadores e trabalhadores do estabelecimento.
No julgamento de primeira instância, o juiz Carlos Ernesto Maranhão Busatto considerou as alegações procedentes. O magistrado fundamentou sua decisão com base em laudo do Instituto Geral de Perícias, produzido no âmbito da investigação sobre as causas da tragédia, e fixou a indenização por danos morais em R$ 100 mil, bem como o limite de 24 anos para o recebimento da pensão por parte da filha. Descontentes com o valor da indenização e com o limite de idade fixado para recebimento da pensão por parte da filha, as reclamantes apresentaram recurso ao TRT-RS.
Não ao retrocesso
Como argumentou a relatora do recurso na 7ª Turma, desembargadora Denise Pacheco, o acidente de trabalho em questão provocou a ruptura de um vínculo forte de amor e afeição no núcleo familiar do trabalhador vitimado. É como se a alegria de viver – joie de vivre, como denominam os franceses – sofresse uma amputação, explicou a magistrada.
Por outro lado, na avaliação da desembargadora, as provas trazidas ao processo comprovaram o altíssimo grau de culpa da reclamada no acidente. Um dos documentos destacados pela magistrada foi o relatório de acidente de trabalho elaborado pelo Ministério Público do Trabalho, que destaca as regras de segurança descumpridas pela Boate Kiss quanto a incêndios e a comprovação de que os trabalhadores da empresa nunca foram orientados a respeito de procedimentos a serem adotados nesses casos.
Quanto ao valor da indenização, a relatora argumentou que as quantias fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para casos análogos é de 500 salários mínimos. Segundo a magistrada, a função do STJ é uniformizar a jurisprudência infraconstitucional. Nesse sentido, não seria razoável reduzir o patamar já alcançado na Justiça comum, mesmo diante do deslocamento de competência dos julgamentos de ações de indenização em acidentes para a Justiça do Trabalho. Admitir tal situação, no âmbito da jurisprudência laboral, seria violar inclusive o princípio da vedação ao retrocesso social, estampado no caput do artigo 7º da Constituição Federal, destacou a julgadora.
Conforme a desembargadora, trata-se do que os especialistas em Direitos Humanos chamam de efeito cliquet (canotilho), expressão utilizada pelos alpinistas para definir determinado patamar em que não se pode mais retroceder, apenas seguir adiante. Nesse contexto, a relatora determinou o aumento do valor da indenização para 200 salários mínimos, limite definido pela petição inicial, embora o valor possível para o caso fosse o de 500 salários.
Fonte: TRT4