Por unanimidade de votos, a decisão colegiada negou provimento ao recurso ordinário do frigorífico, baseando-se no entendimento de que parte da responsabilidade pelo acidente de trabalho cabe ao empregador, o qual deveria ter adotado as cautelas necessárias para preservar a integridade física de seu empregado, fiscalizando a correta execução das atividades, ainda que o infortúnio tenha decorrido em razão da inobservância às normas de segurança.
De acordo com a relatora do processo, desembargadora Eleonora Saunier, é incontroverso que o reclamante desenvolvia suas atividades profissionais quando sofreu acidente de trabalho típico, conforme prova pericial, mas persistiu, em grau de recurso, o debate jurídico em torno da possibilidade de se atribuir culpa exclusiva à vítima.
Em seus argumentos recursais, o Frigorífico Vitello sustentou que o funcionário contratado como desossador de carne desobedecia às normas de segurança, realizando o procedimento de forma inadequada, apesar dos treinamentos, orientações e advertências verbais recebidas. A relatora, entretanto, entendeu que não ficou comprovada a punição formal ao empregado em razão da alegada desobediência, limitando-se o recorrente a demonstrar, por meio de sua testemunha, as advertências verbais.
Assim, considerando que as partes possuem obrigações recíprocas que foram descumpridas, incidiram em culpa concorrente quanto à ocorrência do acidente típico que lesionou o olho direito do autor, devendo ser mantida a sentença, afirmou a relatora, ao considerar presentes todo os elementos que autorizam o deferimento da indenização pleiteada: o nexo de causalidade, a existência do dano e a culpa concorrente das partes.
Ao manter os valores indenizatórios fixados na sentença de origem, ela fundamentou seu posicionamento no artigo 944 do Código Civil, o qual dispõe que a indenização se mede pela extensão do dano. Nesse contexto, prosseguiu a relatora, devem ser observados requisitos como a gravidade da lesão, a extensão do dano e as condições das partes. Em se tratando de medida de caráter educativo, exige-se moderação e observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que regem as relações de direito, para que não importe em um prêmio indevido ao ofendido, indo muito além da recompensa ao desconforto, ao desagrado, aos efeitos do gravame suportado, ponderou em seu voto, tecendo considerações sobre a responsabilidade civil e o dever de reparação.
No tocante à extensão do dano, a desembargadora Eleonora Saunier destacou que a faca atingiu o canal lacrimal do reclamante, ocasionando a epífora (fluxo de lágrimas constante e involuntário), mas a visão dele está preservada. Ela acrescentou que a incapacidade total do reclamante pode ser revertida com a cirurgia, conforme aponta a perícia médica, com estimativa de 90 dias para reabilitação plena após o procedimento cirúrgico. De acordo com informação constante dos autos, a cirurgia para reconstrução do canal lacrimal tem custo estimado de R$ 10 mil.
Quanto ao dano material, ela explicou que abrange o dano emergente (as despesas com o tratamento), o lucro cessante (o que o trabalhador deixou, razoavelmente, de ganhar) e a pensão (importância que receberia pelo trabalho para o qual houve a inabilitação, total ou parcial, a partir do fim da convalescença), tudo nos termos do artigo 950 do Código Civil.
Finalmente, a relatora salientou que o valor indenizatório objetiva buscar o ressarcimento do dano e tentar coibir a prática reiterada da conduta ofensiva, observando a situação econômica das partes.
Não cabe mais recurso da decisão da Primeira Turma.
Culpa recíproca
A controvérsia foi analisada nos autos da ação trabalhista ajuizada em setembro de 2015, na qual o reclamante pleiteou indenização por danos morais e materiais no montante de R$166 mil. De acordo com a petição inicial, o trabalhador foi admitido em maio de 2014, na função de desossador de carne e, no dia 6 de janeiro de 2015, acidentou-se em serviço, sendo atingido em sua pálpebra direita, o que afetou o canal lacriminal.
Devido à natureza da matéria, o juízo da 16ª Vara do Trabalho de Manaus determinou a realização de perícia médica, que apontou a existência de nexo de causalidade entre o quadro ocular do reclamante e o acidente sofrido.
Com base no laudo pericial e no entendimento de que houve culpa recíproca das partes, a sentença parcialmente procedente condenou o frigorífico Vitello ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10 mil, danos materiais nas modalidades lucros cessantes (pensão em parcela única) no montante de R$16.605,00 e danos emergentes no valor de R$ 5 mil, além de juros e correção monetária.
O reclamado interpôs recurso ordinário, pedindo a reforma total da sentença sob o argumento de culpa exclusiva do trabalhador pela ocorrência do acidente, o qual teria desobedecido as normas de segurança, pois não poderia manusear a faca ao colocar a peça de carne na esteira.
Fonte: TRT11