Frise-se que a empresa possui sua função social. E, ainda que o empregador detenha parte do poder diretivo, não pode, de maneira alguma, ultrapassar as normas de saúde e segurança que devem pautar a relação de trabalho, ponderou a relatora do caso. Em seu recurso, a estoquista relatou que a empregadora não seguiu a recomendação médica de transferi-la de função durante a gravidez, obrigando-a a executar atividades que demandavam esforço físico, colocando em risco tanto a sua saúde como a do feto.
De acordo com os relatos da trabalhadora, assim que tomou ciência da gravidez comunicou à empresa. Acrescentou que, durante as consultas de pré-natal, o médico lhe informou que não mais poderia executar as atividades próprias de sua função, como carregar peso, arrastar e agachar para levantar caixas e subir em pallets, pois essas atividades ofereciam perigo à gestação. Porém, a empresa, mesmo ciente dessa determinação, não procedeu ao remanejamento de setor. Em sua defesa, a empregadora não negou que deixou de fazer a transferência da estoquista. Sustentou apenas que esse procedimento não foi necessário, já que ela não realizava qualquer esforço físico no exercício de suas funções, não havendo perigo para a gestação.
Argumentou que não ficou comprovado qualquer dano sofrido pela trabalhadora. Chamou a atenção da desembargadora o depoimento da testemunha indicada pela gestante, por ter se mostrado mais convincente. O colega de trabalho, que exercia a função de conferencista, informou que os estoquistas faziam a contagem do estoque de caixas e produtos, sendo que, às vezes, para a contagem das caixas, era necessário retirá-las das pilhas, que tinham, geralmente, cerca de 10 caixas.
Conforme declarou a testemunha, poderia ocorrer de os operadores auxiliarem na retirada das caixas, mas que já chegou a ver a estoquista retirando caixas durante a gravidez. Já a testemunha indicada pela empresa relatou que a estoquista não tinha que carregar caixas e que até poderia acontecer na hora de fazer a contagem, mas isso não demandava grandes deslocamentos. Na avaliação da desembargadora, a análise do conjunto de provas deixou claro o dano sofrido pela gestante diante da indiferença da empresa.
Lembrou a magistrada que a Constituição confere tratamento especial e protetivo à mãe e ao bebê, sendo dever da família, da sociedade e do Estado protegê-lo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do artigo 227 da CR/88. Na área trabalhista, a julgadora citou o artigo 392, parágrafo 4º, inciso I, da CLT, que dispõe expressamente ser garantida à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos, a transferência de função, quando as condições de saúde exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho. Já no plano internacional, a relatora destacou a Convenção da OIT nº 3, ratificada pelo Brasil, que traça diretrizes para proteção das mulheres nos períodos antecedente e posterior ao parto, tendo, como objetivo principal, a proteção à maternidade.
A autora foi obrigada a permanecer durante toda a gestação exposta a situação de risco, além de vivenciar a tensão de sofrer algum abalo físico e, por consequência, emocional, prejudicial a si e ao bebê, devido às atividades realizadas. Estava, pois, sujeita à ameaça de sua própria saúde e do filho que esperava. Esta situação atenta contra a sua dignidade e integridade psíquica e física, de modo que é indenizável, no plano moral, finalizou, fixando a indenização em 20 mil reais. Em decisão unânime, a Turma julgadora acompanhou esse entendimento.
Fonte: TRT3