Traumatizada, a bancária chegou a ficar afastada por dois períodos de 15 dias, mas acabou deixando o emprego no mês seguinte. Ajuizou ação trabalhista contra o ex-empregador, pretendendo receber indenização pelos prejuízos psicológicos sofridos. E teve seu pedido atendido pelo juiz Frederico Leopoldo Pereira, titular da 1ª Vara do Trabalho de Alfenas-MG. O magistrado condenou o banco a pagar à gerente indenização por danos morais no valor de 400 mil reais. Para o juiz, ao impor à bancária a atribuição de portar a chave da agência, inclusive levando-a para a casa, sem qualquer proteção, o banco submeteu a trabalhadora a situação de grave perigo, já que, em nosso país, é notório o aumento dos crimes contra o patrimônio e a violência com que são praticados, principalmente quando se trata de instituições bancárias.
O réu se defendeu argumentando que adotou todas as medidas de segurança que a lei impõe. Alegou ausência de culpa, dizendo que o assalto ocorreu por ato de terceiros, tratando-se de caso fortuito. Mas, para o magistrado, não foi bem assim.
Primeiramente, o juiz lembrou que a Constituição Federal elevou a dignidade da pessoa humana à categoria de princípio fundamental da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III). Assim, todos os direitos derivados direta ou indiretamente desse princípio devem ser inquestionavelmente tutelados: Agredidos os direitos à honra, intimidade, autoestima e afirmação social do empregado, previstos no artigo 5º, X, da CRFB, deve ser assegurado o direito à compensação financeira pelo dano moral sofrido, destacou.
E, no caso, o julgador considerou incontestáveis a invasão da propriedade da trabalhadora e agressão que ela se seus familiares sofreram. Tudo foi registrado na ocorrência policial, na qual se observa que a reclamante e sua família passaram por momentos de terror e perigo de vida, ficando sob a mira de arma de fogo. E, conforme narrado no boletim de ocorrência, a situação só não foi pior porque o irmão da bancária, ao chegar a casa e também ser rendido pelos bandidos, conseguiu esconder o celular e se comunicar com o irmão, que acionou a polícia. Após cercarem o local, um dos criminosos saiu correndo e conseguiu fugir pelo cafezal. Logo em seguida, saiu da casa o menor infrator, segurando a reclamante pelo pescoço e com a arma apontada para a sua cabeça. Apenas após muita conversa, o menor soltou a arma e a vítima, sendo preso. Ele então contou aos policiais que teria sido contratado por criminosos da cidade de Alfenas para sequestrar a reclamante e a manter trancada em casa até que conseguissem pegar o dinheiro no cofre da agência.
Danos psicológicos – Na visão do juiz, essas circunstâncias falam por si, tornando evidente o abalo psicológico sofrido pela bancária, em decorrência da investida criminosa. É inegável, pelo critério do homem médio, que a violência psíquica da qual fora vítima a reclamante, ao ficar sob a mira de uma arma de fogo, acarretou-lhe traumas emocionais de difícil superação. O dano moral existe presumidamente, ou seja, decorre naturalmente do fato ofensivo, sendo oriundo do que se possa crer factível em relação ao homem mediano, razão pela qual não é necessária a prova de sua ocorrência. – frisou, na sentença.
Além disso, em depoimento, a própria representante da empresa reconheceu que, após o assalto, a reclamante se afastou do trabalho, por duas vezes, em razão de problemas psíquicos provocados pelo incidente. Uma testemunha apresentada pelo réu, ouvida como informante, também confirmou o abalo psicológico da reclamante. Ela disse que, após o retorno ao trabalho, ela estava bem abalada, demonstrando medo de ficar na agência. Nesse contexto, torna-se evidente o sofrimento psíquico, a angústia, a aflição e o constrangimento vivenciados pela bancária. É da natureza humana a aflição gerada pelas situações de risco indesejado, pontuou o julgador.
A culpa do banco – Além da existência da lesão (danos psíquicos da reclamante) e do nexo causal entre ela e o evento criminoso, o juiz também constatou a culpa do empregador. Por isso, ele concluiu pela responsabilidade do banco, que deve ser obrigado a reparar os danos sofridos pela ex-empregada. É que, para o magistrado, o crime ocorrido com a reclamante, apesar de se relacionar à questão de segurança pública, poderia ter sido evitado caso houvesse maior diligência do réu.
Pela prova testemunhal, o magistrado pôde verificar que eram tomadas medidas de segurança em relação à agência bancária. Mas o mesmo não de pode dizer em relação à segurança pessoal da reclamante, que, segundo o juiz, não era preservada. Ela era detentora da chave da agência, o que era de conhecimento dos meliantes. Foi exatamente por isso que a bancária foi abordada em sua propriedade rural, longe, inclusive, da agência bancária, explicou, na sentença. E mais: de acordo com o juiz, as declarações da preposta da empresa confirmam a sua conclusão, ou seja, que todas as medidas de segurança visavam a preservar o patrimônio do banco, sem se importar com a segurança pessoal da empregada, que, mesmo ficando de posse da chave da agência, nunca recebeu acompanhamento de segurança no trajeto de ir e vir de sua casa.
Atividade de risco e responsabilidade objetiva – Mas o magistrado ressaltou que, mesmo se não houvesse culpa do banco na situação traumática vivenciada pela bancária, ele ainda responderia pelos danos psíquicos da empregada, pela aplicação da teoria do risco. E explicou: O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil introduziu a tese segundo a qual, aquele que cria um risco de dano pelo exercício de sua atividade, obriga-se a repará-lo, independentemente de culpa. No caso, a atividade bancária explorada gera um risco maior, atraindo a aplicação dessa norma legal. Não se pode esquecer que o fato de a reclamante ser portadora da chave da agência a colocava em situação de risco elevado. A cada dia a imprensa noticia empregados de banco sendo abordados em suas residências por bandidos que almejam a abertura das agências, fora do horário de expediente.
E, na visão do julgador, a situação de perigo a qual se expunha a reclamante não era ignorada pelo réu, tanto que, a preposta, em depoimento, declarou que a reclamante era orientada a não percorrer o mesmo caminho ao ir embora do trabalho, já que, por trabalhar no banco, deveria se resguardar, ou seja, adotar medidas contra a violência, tendo em vista que possuía acesso a numerário diferente, por exemplo, do gerente de uma loja de conveniência.
Por fim, foi afastada a tese do réu de que o crime que vitimou a reclamante e sua família deve ser atribuído a fato de terceiro. A ação de meliantes é totalmente previsível quando a atividade acarreta a guarda de numerário. E a ação de terceiros somente excluirá a responsabilidade quando se tratar de fato totalmente estranho às circunstâncias, como, por exemplo, uma ‘bala perdida’, completou o julgador.
Do mesmo modo, para o juiz, diante da sua previsibilidade e, ainda, por se tratar de conduta humana, o assalto não se enquadra como caso fortuito ou força maior.
Por tudo isso, concluiu o magistrado que, no caso, estão presentes os requisitos autorizadores da reparação por danos morais (lesão, dano e nexo causal), acrescentando que a atitude do reclamado deve ser firmemente repreendida. E, tendo em vista a gravidade e a extensão do dano (artigo 944, do CC), o juiz condenou o banco a pagar à bancária indenização por danos morais no valor de 400 mil reais. Da sentença houve recurso, em trâmite no TRT-MG.
Fonte: TRT3