Em 1975, a Organização das Nações Unidas, instituiu o dia 08 de março como o Dia Internacional da Mulher, consolidando os movimentos históricos que surgiram entre o final do século XIX e o início do século XX, nos Estados Unidos e na Europa, de luta dos movimentos feministas pelo direito de voto, melhores condições de vida e de trabalho. Esta data é comemorada, atualmente, em mais de 100 países.
Muito embora o Dia Internacional da Mulher tenha, no decorrer do tempo, reduzido o seu significado original, adquirindo muitas vezes um caráter comercial ou de festa, é fundamental que o marco da data estimule a reflexão e a luta pela igualdade de gênero em todos os seus aspectos.
No campo profissional, as conquistas femininas são animadoras, mas o caminho a ser percorrido ainda é longo e árduo. Os dados estatísticos do Brasil sobre mercado de trabalho mostram que as mulheres ainda não se beneficiam das mesmas condições que os homens.
Em estudo realizado pelo IBGE, em 2019, o rendimento médio das mulheres ocupadas era de (R$ 1.985), equivalente a 77,7% do recebido pelos homens (R$ 2.555). O rendimento médio das mulheres brancas (R$ 2.526), equivale a 74,6% do rendimento dos homens brancos (R$ 3.388), enquanto o rendimento das mulheres negras (R$ 1.471) equivale a 78,2% do recebido pelos homens negros (R$ 1.881). Interessante perceber que as mulheres negras recebem ainda menos do que as mulheres brancas em comparação ao total de homens brancos e negros (57,57%).
Pois bem. Neste contexto, os caminhos percorridos pelas mulheres que decidem se tornar advogadas também são desafiadores e a história demonstra a luta pelo acesso à profissão.
Para se ter uma ideia, apenas na década de 1880, as primeiras mulheres ingressaram nos cursos e carreiras jurídicas, ainda que o surgimento dos primeiros cursos jurídicos no Brasil tivesse ocorrido a partir de 1827.
Delmira Secundina da Costa, juntamente com Maria Coelho da Silva e Maria Fragoso foram as primeiras mulheres formadas em Direito no Brasil. Tornaram-se bacharéis em 1888.
Maria Augusta Saraiva, em 1897, foi a primeira mulher a ingressar na Faculdade do Largo São Francisco e a primeira figura feminina a atuar no Tribunal do Júri. Formou-se em 1902.
Myrthes Gomes de Campos foi a primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil. Concluiu o bacharelado em Direito em 1898, mas devido a fortes discriminações, somente em 1906 conseguiu ingressar no quadro de sócios efetivos do Instituto dos Advogados do Brasil, ainda assim, com votação apertada dos membros da assembleia, 23 votos a favor e 15 contra.
Se levarmos em conta que a primeira turma de Direito a se formar no Brasil concluiu o curso em 1823, fica claro perceber quanto tempo levou para que as mulheres conquistassem seu espaço na advocacia.
É fato que a carreira da advocacia feminina vem crescendo no Brasil, num mercado que, historicamente, é dominado por homens.
Atualmente, são 606.220 mulheres inscritas na OAB. Os homens, ainda maioria, chegam a 607.714.
Mas, qual é a participação das advogadas no empreendedorismo? Quantas mulheres são donas de seu próprio escritório?
Não há dados oficiais sobre o número de advogadas empreendedoras, quer como profissionais autônomas, quer como sócias em bancas de advocacia. Em consulta feita na Ordem dos Advogados do Brasil, apurou-se que existem, atualmente, 30.406 sociedades de advocacia ativas, sendo que 38.083 são sócios homens (6,26% do total de advogados inscritos na OAB) e 25.291 mulheres (4,17%). Esses números demonstram que as mulheres estão presentes em 39,90% das sociedades de advocacia. Porém, note-se que o total de advogadas e titulares de escritórios (25.291) é ínfimo em comparação ao número total de advogadas inscritas (606.220).
Muitos são os motivos que desencorajam as mulheres a ter o próprio escritório. Além da insegurança e instabilidade financeiras do trabalho, que na verdade é traço comum entre advogados e advogadas, para as mulheres ainda se acrescentam as dificuldades em conciliar questões familiares e o cuidado com os filhos – especialmente se a mulher não conseguir compartilhar as demandas com um parceiro ou não poder contar com outro tipo de auxílio – e, principalmente o medo em não conseguir se sustentar e ter sucesso em razão da dificuldade de ingressar num mercado que é historicamente ocupado por homens.
Ainda que atualmente esteja em equilíbrio o número de advogados e advogadas inscritos na OAB, como acima mencionado, ainda são poucas mulheres advogadas que vivem de seu próprio negócio.
É importante registrar que, a opção pelo empreendedorismo feminino vai ao encontro da busca pela mulher de autorrealização, para dirigir e liderar o seu próprio trabalho, ter independência e estabilidade financeiras e, ainda, autonomia e flexibilidade no tempo destinado ao trabalho.
Contudo, se de um lado, a mulher empreendedora sente orgulho pelas realizações de seu próprio negócio e conquistas diárias, com uma postura proativa, por outro lado, tem o desafio de lutar pela igualdade no mercado que é ainda mais desafiador para a mulher. O machismo presente em nossa sociedade reduz consideravelmente as chances de inserção da mulher advogada no empreendedorismo, tornando a competitividade, entre homens e mulheres, desigual.
Há explicações.
Os estereótipos tradicionais de fragilidade, morbidez e fraqueza da mulher brasileira ainda está presente no consciente coletivo.
Para se ter uma ideia, considerando as ocupações selecionadas pelo estudo divulgado pelo IBGE em 2018, a participação das mulheres era maior entre os Trabalhadores de serviços domésticos em geral (95,0%), Professores do Ensino fundamental (84,0%), Trabalhadores de limpeza de interior de edifícios, escritórios, hotéis e outros estabelecimentos (74,9%) e de Trabalhadores de centrais de atendimento (72,2%). No grupo de Diretores e gerentes, as mulheres tinham participação de 41,8% e seu rendimento médio (R$ 4.435) correspondia a 71,3% do recebido pelos homens (R$ 6.216). Já entre os Profissionais das ciências e intelectuais, as mulheres tinham participação majoritária (63,0%), mas recebiam 64,8% do rendimento dos homens.
Esses números explicam a construção cultural do papel da mulher-mãe, detentora de um saber informal de cuidados com a casa, com a saúde e educação dos filhos. Esse padrão de cultura patriarcal é transmitido “naturalmente”, desde os processos educacionais informais e formais, que reproduzem formas de hierarquia de gênero e desigualdade.
A advocacia não escapa deste modelo. O advogado, é considerado a voz do cidadão em busca de justiça e a visão da sociedade é a de que quanto mais forte e firme for a fala do profissional maiores são as chances de sucesso do representado. Estes atributos não são reconhecidos na sociedade como características femininas, pelo contrário, a visão que se tem da mulher é que ela é resiliente e frágil, o que fortalece o sexismo e a desigualdade no mercado de trabalho.
Dito isso, a busca pela igualdade da mulher na advocacia, deve passar pela reflexão sobre a sua relação com o poder. O poder exercido sobre si próprio. O sucesso do empreendedorismo feminino depende do empoderamento de mulheres promovendo mudanças que lhe garantam confiança e autonomia sobre suas decisões, nos aspectos econômicos, políticos e sociais como formas democráticas para construir novos mecanismos de tomada de decisões e responsabilidades compartilhadas.
Por outro lado, infelizmente, a resistência a ascensão feminina na carreira jurídica também é tida por algumas mulheres, que muitas vezes não reconhecem as conquistas da outra.
Nesse contexto, a sororidade, termo que expressa a busca de união com base na empatia e companheirismo, com a finalidade de atingir objetivos comuns, é um importante instrumento de mudança social para que a mulher possa ocupar, por seus próprios méritos, posições de protagonismo, liderando seu próprio negócio.
Assim, o Dia Internacional da Mulher, lembrado neste fatídico ano de 2021 – onde a humanidade vive o seu pior momento da história com uma pandemia que vem ceifando milhares de vidas mundo afora – deve ser marcado pela esperança por dias melhores, e pela perseverança na busca de igualdade de oportunidades.
Para as mulheres, especialmente as advogadas, a mensagem é de reconhecimento e congratulação pelas conquistas obtidas até aqui, e, principalmente, o desejo de força, união, e luta para transformar a cultura patriarcal estruturada em nossa sociedade em um modelo que não distingue, mas promova a paridade de gênero.
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Cláudia José Abud
Advogada, sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de Advogadas, Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP. Professora e Assistente de Coordenação do Curso de Especialização em Direito Material e Processual do Trabalho da PUC-SP. Membra da Escola da Advocacia da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas – ABRAT.