Achegada do coronavírus em 2020 levou o Brasil a reconhecer a ocorrência do estado de calamidade pública por meio do Decreto Legislativo nº 6 e, na área trabalhista, o governo propôs duas Medidas Provisórias: a 927 (estabelecendo medidas como o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho e o diferimento do recolhimento do FGTS) e a 936 (instituindo um programa emergencial para regular a suspensão dos contratos de trabalho, bem como a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, com a previsão de pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda).
Por iniciativa do próprio Congresso Nacional foi ainda aprovada a Lei 13.982/2020, prevendo o pagamento de um auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 mensais aos trabalhadores do mercado informal. Mais de 66 milhões de brasileiros receberam diretamente esse auxílio emergencial segundo dados divulgados pelo Ministério da Cidadania: se contabilizado o número de integrantes de uma família, o benefício chegou a mais de 126 milhões de pessoas (cerca de 60% da população brasileira), tendo, portanto, se mostrado como uma medida fundamental para a manutenção das condições de vida de cidadãos que não possuíam regulares vínculos de emprego.
As medidas governamentais na área trabalhista sofreram inúmeros questionamentos de constitucionalidade, em especial quanto à possibilidade de negociações individuais entre os sujeitos do contrato de trabalho. Mas o STF acabou suspendendo a eficácia de apenas dois dispositivos da MP 927: o artigo 29 (que não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus) e o artigo 31 (que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação).
Quanto à MP 936, que previa a possibilidade de celebração de acordos individuais para implantação da redução proporcional de jornadas e salários, argumentou-se que haveria a violação ao art. 7º, VI, da Constituição, quando prevê entre os direitos dos trabalhadores a irredutibilidade salarial, salvo negociação coletiva.
O STF, no entanto, rejeitou o questionamento (em polêmica decisão que aludiu a um “direito constitucional de crise”) e acabou validando a possibilidade de celebração de acordos individuais, a depender do valor dos salários dos trabalhadores envolvidos.
Ultrapassados os questionamentos jurídicos acerca da constitucionalidade, coube ao Congresso Nacional decidir pela conversão das MPs em leis, mas uma delas (a 927) acabou caducando por decurso de prazo: esgotados os 120 dias de vigência, não foi aprovada (aplicando-se então a regra do art. 62, §11, da Constituição, segundo o qual, diante da perda de eficácia de medida provisória, “as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”).
Já a MP 936 foi aprovada e convertida na Lei nº 14.020/2020, sendo que, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Economia, foram celebrados mais de 20 milhões de acordos para suspensão de contratos de trabalho ou redução proporcional de salários e jornada, envolvendo quase 10 milhões de trabalhadores e cerca de 1,5 milhão de empregadores, no âmbito do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
Registre-se que toda essa movimentação acabou se consolidando prevalentemente pela via dos acordos individuais entre os empregados e os seus empregadores, na medida em que o espaço da negociação coletiva com os sindicatos foi reduzido, em razão da forma como as medidas acabaram regulamentadas.
Passado um ano da pandemia, o quadro segue gravíssimo, com trezentas mil mortes acumuladas, havendo a expectativa da vacinação dos brasileiros e brasileiras e de outras normas trabalhistas que possam regular o que ainda vem por aí.
Foi proposta nova Medida Provisória a ser apreciada por deputados e senadores, a 1.039, que regulamenta o pagamento do Auxílio Emergencial em 2021 no valor de R$ 250,00 em quatro parcelas mensais, limitado a um beneficiário por família.
E não se pode descartar futuras ações judiciais para questionar a validade de inúmeros ajustes trabalhistas individuais que foram feitos por empregados e empregadores até agora, o que, infelizmente, nos coloca no segundo ano de pandemia em um preocupante cenário de incerteza.
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Otavio Pinto e Silva – Presidente da ABRAT e professor associado do Departamento de Direito do Trabalho e Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP.
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Fonte: www.jornal.usp.br