Por Tiago Alves da Silva1
O dia 25 de novembro marca o Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher2, estabelecido no ano de 1981 por ocasião do 1º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado em Bogotá, Colômbia. A data foi eleita em memória das irmãs Mirabal (Patria, Minerva e Maria Teresa), assassinadas no dia 25.11.1960 pelo regime de Rafael Leónidas Trujillo Molina3, mediante à simulação de um acidente.
Embora não se trate de um fenômeno moderno4, cada vez mais se reconhece que a violência de gênero5 é um grave problema não apenas para as mulheres, mas sim para toda a sociedade que sofre direta ou indiretamente com as consequências dessa violência que funciona, inclusive, como um impeditivo ao alcance da igualdade, do desenvolvimento sustentável e da paz da humanidade (ODS nº 5 da Agenda 2030).6
Não por outra razão, este tema emergiu como prioridade das organizações de mulheres durante o Decênio das Nações Unidas para a Mulher (1976-1985), o que resultou na aprovação de convenções internacionais de nível global, como a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW-1979).
Também no âmbito do direito regional7 celebrou-se a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994 (Convenção de Belém do Pará), além de outros documentos internacionais de cunho orientativo (soft Law), tudo assinalando para o caráter que se pretende conferir aos direitos da mulher – o de direitos humanos e fundamentais.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) visa a proteção e a promoção dos direitos das mulheres, estabelecendo deveres aos Estados-membro de eliminação de qualquer discriminação contra a mulher, em todas as esferas da vida por meio de medidas legais, políticas e programáticas praticadas por qualquer pessoa, organização, empresa, bem como pelo próprio Estado.
Aliás, a proibição de qualquer distinção de tratamento em razão de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política, dentre outras, foi reconhecido em 1948 na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em seus artigos 1º e 2º, a qual menciona dentre 30 artigos, os direitos humanos considerados básicos, mas que, por ausência de consenso, não foi formalizado como Convenção/Tratado de observância obrigatória.
Reconhecendo que a aplicação efetiva da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher contribuiria para eliminar a violência, e que uma declaração sobre a eliminação reforçaria e complementaria este processo, foi proclamada a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher em 20 de dezembro de 1993.
No âmbito regional, a Organização dos Estados Americanos adotou em 9 de junho de 1994 a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), por reconhecer que a eliminação desta violência é condição indispensável para o desenvolvimento individual e social, além de sua plena e igualitária participação em todas as esferas de vida.
Não há dúvidas, portanto, que os direitos da mulher, notadamente os pertinentes à sua integridade física, moral, psicológica e econômica, constituem um verdadeiro bloco de direitos humanos e fundamentais, sendo que a tolerância a qualquer modo de violência, de qualquer natureza, constitui aberta afronta a esses direitos.
Embora não seja mais razoável contestar a existência e natureza dos direitos que tutelam a ampla integridade da mulher, a mera confecção de documentos jurídicos não é suficiente para que se dê a erradicação dessa mancha social8.
A proclamação de direitos no plano formal, sem medidas materiais tendentes a dar concretude a eles, não tem maior efeito do que escrever na água, violando, inclusive, a força normativa desses direitos9.
Prometer a tutela de um direito que não se realiza no plano concreto, é um arremedo de justiça e deliberada negação à eficácia das consagrações formais, além de verdadeira sabotagem ao projeto de construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Os anos passam e nada, ou muito pouco, de efetivo se tem feito para a absoluta erradicação da violência contra a mulher.
O próximo 25 de novembro marca o 39º Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, e a indagação que se faz é: quantos anos mais serão necessários para termos o que celebrar?
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1Advogado e professor.
2Também conhecido como “Dia Latino Americano da Não Violência Contra a Mulher”
3Ditador da República Dominicana entre os anos 1930 e 1961.
4COSTA, Elder Lisboa Ferreira da. O gênero no direito internacional: discriminação, violência e proteção. Belém: Paka-Tatu, 2014, s.p.
5Embora a violência de gênero não se confunda com violência contra a mulher, dadas as especificidades do fenômeno, esta terminologia é utilizada nas legislações interna e comunitária.
6Em meados de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu um plano de ação para a defesa do ecossistema e erradicação da pobreza, visando assegurar paz e prosperidade a toda as pessoas, surgindo disso o documento intitulado “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” composto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
7 “(…) os direitos humanos podem ser protegidos por lei no âmbito doméstico ou no internacional. As leis internacionais de direitos humanos têm, por sua vez, diferentes níveis. Incluem o sistema global, no qual as Nações Unidas (ONU) são o ator principal. O sistema global é potencialmente aplicável de uma forma ou outra a qualquer pessoa. Inclui ainda os sistemas regionais, que cobrem três partes do mundo – a África, as Américas e a Europa. Se os direitos de alguém não são protegidos no âmbito doméstico, o sistema internacional entra em ação, e a proteção pode ser oferecida pelo sistema global ou regional (naquelas partes do mundo em que existem tais sistemas)”. (HEYNS, Christof; PADILLA, David; ZWAAK, Leo. Comparação esquemática dos sistemas regionais de direitos humanos: uma atualização. In: Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 4, ano 3, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sur/v3n4/09.pdf acesso em 23 nov 2020).
8Tratando de assunto conexo (violência e assédio no mundo do trabalho), por ocasião da convenção 190, em tom de desafio, Guy Ryder, diretor-geral da OIT, fez lembrar que o “próximo passo é colocar estas proteções em prática, para que possamos criar um ambiente de trabalho melhor, mais seguro e decente para homens e mulheres” (Disponível em: https://nacoesunidas.org/chefe-da-onu-elogia-convencao-historica-contra-assedio-sexual-no-ambiente-de-trabalho/ acesso em: 24.11.2020)
9Marcelo Novelino também adota a expressão “princípio da interpretação efetiva” que impõe ao intérprete, em geral, a adoção da interpretação que melhor realize o projeto constitucional. (NOVELINO, Marcelo. Teoria da constituição e controle de constitucionalidade. São Paulo: Juspodivm. p. 124).