Em seguimento ao artigo publicado no último domingo, em que tratou-se sobre “banco de horas”, cabe salientar que este sistema tem por propósito adaptar o homem à realidade da produção, transformando-o ainda mais em peça dentro da engrenagem do capital. O trabalhador trabalha mais quando há necessidade do empregador e menos quando há a “desnecessidade” do empregador, ficando sujeito ao mercado e às regras do comércio e do capital. Assim, ele se desumaniza ainda mais. Se na execução normal do contrato de emprego há uma desumanização enorme do trabalhador, que se confunde com as peças do capital, quando exposto ao regime de compensação de “banco de horas”, além da reprodução material do bem, da produção, ele reproduz a realidade sazonal do mercado, passando a ser inteiramente peça do mercado.
Mas o problema não é apenas este. O sistema de “banco de horas” permite que o empregador exija horas extras do empregado. Isso porque houve acerto coletivo neste sentido, sem que este mesmo empregador pague por elas (análise da página 129 da obra citada). O trabalhador executará seu mister além do limite constitucional de oito horas diárias, sem receber um centavo em troca. Isso aumenta de forma significativa, em alguns casos em até vinte e cinco por cento, a quantidade e a intensidade de trabalho, prejudicando a reposição das forças e energias do trabalhador.
Este aumento da intensidade do ritmo de trabalho em períodos de pico prejudica a recomposição física, psíquica e familiar do trabalhador, expondo-o, ainda, a um maior risco de acidentes do trabalho (análise da página 132 da obra citada). Este sistema, perverso, de superexploração da força de trabalho é plenamente aceito pela jurisprudência nacional, que se “encosta” no chamado princípio da autodeterminação coletiva consagrado pelo inciso XXVI do artigo 7º da CF/88, jurisprudência esta que faz vista grossa para o que consta do “caput” deste mesmo artigo 7º, melhoria da condição social dos trabalhadores, e para o conceito simples de interpretação sistemática da Constituição.
É por isso que o sistema de “banco de horas”, antes de ser tratado como um elemento econômico, deve ser visto como um elemento desumano. A norma constitucional brasileira e, crê-se, de nenhum dos países ocidentais, repudia a superexploração. O espaço para a ação instrumental/estratégica é limitado aos padrões da lei. A interpretação deve ter por norte a ação para o entendimento e inclusão do outro. Se a lei permite a exploração do homem pelo homem, artigo 7º, I, da CF/88, esta exploração deve ocorrer na mínima potência. O que potencializa a exploração, portanto, está fora dos limites da Constituição. Isso porque consagra o principio de uma sociedade livre, justa e solidária, que tem por objetivo a prevalência dos direitos humanos.
Por Rafael da Silva Marques, juiz do Trabalho do TRT4