A decisão foi da juíza Júnia Marise Lana Martinelli, titular da 20ª Vara do Trabalho de Brasília. Segundo ela, a empregada experimentou “incomensuráveis infortúnios” por causa do acidente, tanto no momento em que ele aconteceu quanto depois, durante os tratamentos a que teve que se submeter. Além disso, a atendente de restaurante também sofreu danos estéticos e graves sofrimentos físicos e psíquicos. No entendimento da magistrada, as provas juntadas as autos demonstram a culpa do restaurante pela condição insegura que ocasionou o acidente.
“O quadro fático delineado revela, inequivocamente, que a autora não recebeu treinamento específico para manuseio e abastecimento dos rechauds, sendo certo, inclusive, que já havia acontecido anteriormente outra explosão no local, de menor monta, em razão da adoção desse procedimento inadequado, colocando em risco a integridade física dos empregados e clientes do restaurante. Trata-se sim, portanto, de evento previsível e evitável, decorrente, contudo, da negligência da demandada em ministrar a seus empregados treinamento específico para o manuseio e abastecimento dos rechauds e em fiscalizar as condições de segurança na prestação dos serviços em seu estabelecimento”, observou a juíza na sentença.
De acordo com informações dos autos, a atendente foi contratada pelo restaurante em junho de 2011, com remuneração de um salário mínimo, sendo dispensada em setembro de 2014. O acidente ocorreu em dezembro de 2011. A trabalhadora ficou 19 dias internada, tomando morfina, entubada, com infecção. Precisou fazer enxertos, tirando a pele do próprio corpo para colocar nas partes queimadas. Por conta do ocorrido, ficou afastada do trabalho, recebendo auxílio do INSS de janeiro a outubro de 2012.
Em sua defesa, o restaurante questionou a existência de dano moral argumentando que “passado o tempo, as feridas se cicatrizam”. Alegou ainda que a demora no ajuizamento da ação trabalhista implicaria em perdão tácito. Com relação ao acidente, o restaurante afirmou que a troca dos rechauds ou a reposição de álcool é um trabalho simples, corriqueiro, que não demandaria qualquer especialização, sendo que qualquer empregado poderia fazê-lo. Disse também que todos os trabalhadores haviam sido treinados e receberam informações sobre os cuidados que deveriam ser tomados. Por fim, argumentou que a explosão ocorreu por culpa exclusiva da vítima.
Sobre a dinâmica de abastecimento dos rechauds, a trabalhadora disse que essa era sua tarefa, executada rotineiramente como no dia do acidente, ou seja, com um galão de plástico de álcool de cinco litros, que ficava sempre embaixo do balcão onde os alimentos eram servidos na modalidade self-service. Já o restaurante afirmou que a empregada deveria se dirigir ao almoxarifado, onde ficava um recipiente com aproximadamente 30 litros de álcool-gel, fazer a reposição em cada um dos dez suportes, colocar aqueles que seriam utilizados de imediato sob cada um dos rechauds e deixar aqueles de reserva num vasilhame na cozinha, para posterior utilização.
Responsabilidade
A juíza Júnia Marise Lana Martinelli pontuou que a indenização por acidente de trabalho ou doença ocupacional se enquadra, a princípio, como responsabilidade extracontratual, porque decorre de algum ato ilícito praticado pelo empregador, em violação aos deveres previstos nas normas gerais de proteção ao trabalhador e ao meio ambiente do trabalho. Na fundamentação de sua decisão, a magistrada lembrou que incumbe ao empregador o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.
“Assim, se o empregador controla a maior parte das variáveis que influenciam a ocorrência de acidente de trabalho, cabe a ele a mais expressiva responsabilidade pela sua prevenção, incluindo a prestação de treinamento adequado a seus empregados, o fornecimento de EPIs, e a fiscalização das condições de segurança na prestação dos serviços, em prol do aprimoramento contínuo”, salientou a juíza da 20ª Vara de Brasília.
Danos materiais
O laudo da perícia médica juntado aos autos revelou que a trabalhadora apresenta atualmente incapacidade laborativa fixável em 17%, o que culmina numa perda remuneratória de R$ 149,60, considerando o valor atual do salário mínimo. Na sentença, a magistrada considerou para o cálculo dos danos materiais a expectativa de sobrevida da empregada, estimada em aproximadamente 55,5 anos. Com isso, a indenização foi arbitrada multiplicando a perda remuneratória pelo tempo de expectativa de vida e somando as gratificações natalinas. O valor determinado na sentença foi de R$ 107.936,40.
Fonte: TRT10