Vamos entender o caso?
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas do Pará celebrou acordo coletivo de trabalho com a empresa J. M. dos Santos & Filhos Ltda. – EPP, onde se previu, na cláusula doze do ajuste, o seguinte:
CLÁUSULA DÉCIMA SEGUNDA – DO AVANÇO TECNOLÓGICO
Em virtude do avanço tecnológico, fica assegurado ao empregado o seu deslocamento para uma outra função compatível com a sua capacitação profissional, sempre que possível.
Parágrafo único. Fica acordado que os empregados por seu desempenho podem, a critério da direção da empresa, ser convidados, desde que por escrito, a exercer função superior a atual, percebendo salário da categoria anterior, por um período máximo de 2 (DOIS) anos, que terá caráter avaliador, quando então passarão a perceber salário da faixa correspondente.
O Ministério Público, na forma do artigo 127 da Constituição da República, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Segundo o artigo 83, inciso IV, da Lei Complementar n. 75/1993, compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício junto aos órgãos da Justiça do Trabalho, entre outras, da atribuição de propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores.
No exercício desse mister, o Ministério Público do Trabalho, por sua Procuradoria Regional do Trabalho da Oitava Região, em petição inicial assinada pela Procuradora Regional do Trabalho Ana Maria Gomes Rodrigues, ajuizou a ação anulatória de cláusula coletiva n. 0000631-72.2015.5.08.0000, pedindo a declaração de nulidade da cláusula em comento.
Segundo o Ministério Público do Trabalho, o parágrafo único da cláusula décima segunda era flagrantemente ilegal, por duas razões: a primeira, “de fácil visualização”, é que viola o artigo 445, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê que o contrato de experiência pode ter a duração máxima de noventa dias; a segunda, “de maior complexidade”, dependeria da compreensão do caráter sinalagmático do contrato de trabalho.
Resumidamente, “caráter sinalagmático” significa dizer que resultam do contrato de trabalho “obrigações contrárias, contrapostas. Haveria, assim, reciprocidade entre as obrigações contratuais, ensejando equilíbrio formal entre as prestações onerosas” (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017. p. 578).
No entender do Ministério Público do Trabalho, disso resulta que, caso o empregador designe o empregado para o exercício de uma função com patamar salarial maior, deve lhe garantir a diferença devida, de modo a conservar essa “reciprocidade”, o que não se viu no caso concreto, pois a cláusula obrigava o empregado a laborar em uma função maior, mas recebendo remuneração inferior. A Seção Especializada II do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, por maioria, acolheu à totalidade os argumentos do “Parquet”. Segundo o Relator, Desembargador do Trabalho José Maria Quadros de Alencar (já aposentado), “é mesmo certo que a cláusula acima transcrita é ilegal porque viola o art. 445, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho que determina que o contrato de experiência não poderá exceder de noventa dias”.
Segundo concluiu o Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, o parágrafo único impugnado, “a toda evidência”, instituiu um “subcontrato interno” ao contrato de emprego, dilatando o prazo experimental para além do legal e do razoável. Além de contrariar a lei e seu espírito, o parágrafo único atentou contra o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, incorrendo em excesso proibido implicitamente pela própria Constituição da República, que reconhecidamente prestigia esse princípio.
Inconformada, a empresa interpôs recurso ordinário à decisão local, julgada pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho.
Para a Ministra Kátia Magalhães Arruda, Relatora do recurso no Tribunal Superior do Trabalho, o prazo estipulado no parágrafo único do artigo 445 da Consolidação das Leis do Trabalho, que limita o período máximo de experiência a noventa dias, “demonstra-se suficiente para se testar e analisar as competências, a capacidade e as habilidades do empregado no exercício da nova função”.
Assim, concluiu que “a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região, que considerou a cláusula nula, tendo em vista que a sua redação viola os artigos 445 e 450 da Consolidação das Leis do Trabalho, revela-se adequada”.
A decisão nacional, publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho do dia 19/12/2017, foi unânime.
A Assessoria Jurídico-Administrativa entrevistou a Procuradora Regional do Trabalho Ana Maria Gomes Rodrigues, que ajuizou a ação anulatória de cláusula coletiva, e o Desembargador do Trabalho José Maria Quadros de Alencar, Relator do processo na Seção Especializada II.
Ao abordar a importância desse processo, a Procuradora Regional do Trabalho Ana Maria Gomes Rodrigues ressaltou que os empregados, quando fossem promovidos para exercerem função superior, ainda teriam que cumprir um período de experiência de dois anos, ilegalmente, já que a lei prevê um período de experiência máximo de até 90 dias, além de não receberem a contraprestação pecuniária devida nesse período de dois anos.
Para ela, a grande contribuição do Ministério Público do Trabalho, nesse processo, é que a legislação volta a ser cumprida, e o prazo máximo de noventa dias, imposto pela Consolidação das Leis do Trabalho, passa a ser respeitado. “A contribuição do Ministério Público é que, ao evitar cláusulas inseridas em norma coletiva, que são contrárias à legislação, beneficiam toda a categoria, além de servir de parâmetros para as próximas negociações”, afirmou.
Para o Desembargador do Trabalho José Maria Quadros de Alencar, a grande importância desse processo foi a criação de um precedente regional, agora confirmado pelo Tribunal Superior do Trabalho, e a reafirmação da excelente qualidade das instituições e da jurisprudência trabalhista regional.
Ao ser questionado sobre a contribuição da Justiça do Trabalho para a formação da justiça social, nesse processo, arrematou: “Nesse momento histórico, em que os direitos sociais e sua justiça estão sob ataque cerrado, a decisão do Colendo Tribunal Superior do Trabalho é um fato alentador, pois reafirma o compromisso das duas instituições com a justiça e o progresso social, que são por elas garantidas, fazendo prevalecer a verdadeira segurança jurídica”.
Fonte: TRT8