No dia a dia da loja de telefonia celular, a condição física do empregado era alvo de comentários e gracejos de sua chefe imediata, comportamento que, por vezes, contagiava outros colegas, como no episódio do aplicativo de mensagens, no qual a imagem da vestimenta do vendedor foi seguida de várias risadas.
O caso foi levado à Justiça pelo trabalhador, que pediu o pagamento de compensação pelo assédio moral sofrido devido a sua aparência física bem como por cobrança excessiva para o alcance de metas e por ordens abusivas. A empresa se defendeu, negando as acusações e postulando que as questões apresentadas pelo ex-empregado fossem julgadas improcedentes.
Ao dar início à análise dos pedidos, a juíza Ana Maria Accioly Lins, em atuação na 3ª Vara do Trabalho de Cuiabá, lembrou que o assédio moral se caracteriza por uma conduta abusiva, repetitiva e prolongada que, por meio de grande pressão psicológica – muitas vezes de perda de emprego – expõe o trabalhador a condições humilhantes e constrangedoras, provocando lesão à sua personalidade, dignidade e até integridade física.
Além de cópias de mensagens eletrônicas e de imagens juntadas ao processo, as testemunhas ouvidas na Justiça confirmaram a ocorrência de atos abusivos por meio de brincadeiras constrangedoras e humilhantes, em uma prática desrespeitosa com o trabalhador.
Tanto a testemunha indicada pelo ex-empregado quanto a indicada pelo empregador confirmaram que era visível que o trabalhador ficava constrangido e incomodado com o procedimento de sua superior na empresa, quando ele era chamado de gordo, porco entre outros. Descrito como uma pessoa muito calada, o vendedor fechava a cara nesses momentos, sendo que pedia para a chefe parar, mas ela não parava.
A outra testemunha, conduzida pela empresa, reconheceu que o trabalhador não gostou da situação desencadeada com a foto postada no WhatsApp assim como ocorria com as demais brincadeiras de sua líder, a quem todos os vendedores tinham que se reportar. Disse que o assunto chegou, inclusive, a ser tratado em reunião, quando se falou que esse tipo de brincadeira não era para se repetir, entretanto a autora permaneceu como chefe da equipe de venda.
Com base nesse conjunto de provas, a juíza ressaltou ser inequívoca a existência do ato ilícito praticado pela empresa, que permitiu um ambiente de trabalho hostil para o trabalhador, vítima de constrangimento e humilhação. Julgou, assim, presentes os requisitos para configurar a responsabilidade civil, e, considerando a intensidade do sofrimento provocado, o grau de culpa do ofensor, a repercussão da ofensa e a situação econômica das partes, arbitrou a compensação por dano moral em 15 mil reais.
A magistrada indeferiu, entretanto, os demais pedidos de reparação por dano moral por avaliar que o trabalhador não conseguiu provar a cobrança excessiva de metas e, da mesma forma, o abuso por parte do empregador quanto à abusividade de suas ordens. Conforme explicou, a simples cobrança de produtividade pelo empregador não configura assédio moral. Para tanto, é necessário haver prova de que essa cobrança era feita de forma desrespeitosa, ultrapassando os limites do razoável. É que o empregador assume os riscos da atividade econômica (art. 2º CLT) e, portanto, tem direito de cobrar resultados de seus empregados, o que, inclusive, faz parte do seu poder diretivo, ressaltou.
Perda de uma chance
A empresa também foi condenada a pagar 10 mil reais pela perda de uma chance sofrida pelo trabalhador, ao preterir o empregado da mudança de turno do trabalho, que normalmente ocorrida por ordem de antiguidade. Apesar do trabalhador ser o mais antigo, a empresa deixou de observar essa regra, o que acarretou na perda de vaga em curso superior em uma faculdade.
A perda de uma chance, conforme destacou a magistrada em sua sentença, utilizando-se da lição do jurista Sérgio Cavalieri Filho, ocorre quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego (…), devendo, assim, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. Ou seja, um prejuízo para a vítima decorrente da legítima expectativa que ela possuía em angariar um benefício ou evitar um dano
Nesse sentido, a magistrada reconheceu o vendedor foi preterido no seu direito de ter o turno de trabalho alterado, havendo, assim, a perda da chance de cursar a faculdade.
Com relação ao valor da indenização, a magistrada explicou que não se repara a perda da própria vantagem, no caso, a contratação, mas o prejuízo decorrente de se obter o resultado esperado. Assim, levando em conta os critérios de razoabilidade, justiça e equidade, condenou a empresa a pagar 10 mil reais pela perda de uma chance sofrida pelo trabalhador.
Fonte: TRT23