A condenação foi proferida pela Justiça do Trabalho em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), após inquérito que investigou denúncia de que a entidade vem atrasando o pagamento de seu pessoal desde 2011.
Em atuação no município de Barra do Garças, onde oferece mais de 20 cursos de graduação, além de pós-graduação, a ABEC/Univar alegou ao MPT que os atrasos decorriam de dificuldades financeiras. Foi deferido, então, prazo de 100 dias para que a situação fosse regularizada, ao final do qual os atrasos continuaram.
Na Vara do Trabalho de Barra do Garças, onde o processo foi iniciado em abril de 2017, a entidade se defendeu argumentando, entre outros pontos, que não estava com salários atrasados.
Além disso, havia firmado um acordo coletivo de trabalho com seus empregados, sob a assistência do sindicato dos trabalhadores (Sintrae) e a anuência do sindicato patronal (Sinepe), alterando a data de fechamento da folha para o dia 10 de cada mês, com pagamento até o quinto dia subsequente a esse fechamento. Isso porque, conforme afirmou, a dificuldade de quitar a folha até o quinto dia útil do mês decorria de as mensalidades serem recebidas dos alunos gradualmente.
Ao analisar o caso, o juiz Adriano da Silva frisou que a condição de se poder arcar com os compromissos financeiros é indispensável para que o ser humano viva de maneira digna, construindo sua história e de seus familiares, com pleno acesso aos direitos fundamentais sociais preconizados no artigo 6° da Constituição Federal.
Desse modo, a ausência ou irregularidade de pagamento afeta, em última análise, a dignidade dos empregados. Não é possível ao trabalhador sobreviver sem a disponibilização do salário em intervalos regulares, mormente o mais humilde, que não possui outros meios, tais como, cartão de crédito, cheque especial para arcar com as despesas indispensáveis à subsistência, explicou.
Ressaltou que não foi à toa que a lei (artigo 459 da CLT) limitou a referência temporal do salário ao período de um mês, considerando que a maioria das relações de crédito/débito, notadamente aquelas relacionadas ao consumo, enquadram-se nesse limite (conta de luz, água, telefone, fatura do cartão de crédito, mensalidade escolar etc).
Assim, com base nos contracheques apresentados pela ABEC/Univar, em que uma parte não estava assinada pelos empregados e outra parte, mesmo assinada, mostrava que a data do recibo não correspondia à data do real pagamento, o magistrado entendeu evidenciada a conduta fraudulenta da entidade de tentar ocultar os atrasos. Com base nesses documentos, ficou comprovada também que em muitos casos a quitação do salário se dava até um mês depois do vencimento, em flagrante descumprimento do fixado no próprio acordo coletivo bem como no estabelecido pelo artigo 459 da CLT.
O magistrado reiterou que não se trata de desconsiderar as negociações coletivas, da mesma forma em que não se está reconhecendo que havia salários pendentes e, muito menos, desconsiderando-se a importância social da ré como geradora de empregos e prestadora de serviços educacionais para inúmeros estudantes universitários.
Todavia, salientou que eventual consentimento do Poder Judiciário com a prática da entidade, autorizando que os pagamentos fossem feitos muito tempo depois do quinto dia útil fixado coletivamente, seria legitimar o ilícito e transferir aos empregados o risco do negócio, decorrente de ocasional boa ou má administração da empresa em relação às mensalidades dos alunos.
Mais do que isso. Independentemente de quem passe pelas dificuldades econômicas (seja empresa estatal ou não), fechar os olhos para a realidade constatada seria chancelar o desequilíbrio das relações jurídicas decorrentes do trabalho, desnaturando toda a finalidade das normas constitucionais trabalhistas previstas pelo constituinte como instrumento de paz social, já que os pagamentos feitos em datas convenientes ou financeiramente possíveis pela ré, sem qualquer regularidade, impediriam qualquer hipótese de previsão orçamentária familiar e, por consequência, o atingimento do escopo maior almejado pela força normativa do inciso IV e VI do artigo 7° Constituição Federal, do item 1 e 3 do artigo XXIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos, concluiu.
A conduta da empresa, lembrou o juiz, atingiu um número significativo de pessoas, gerando consequências diretas para a sociedade local e reforçando o estereótipo incorreto de que as empresas podem atrasar o pagamento de seus empregados.
Dessa forma, concluiu como evidente a lesão coletiva e, com base em pontos como a extensão dos danos (que impediu que os empregados pudessem organizar suas finanças por anos vários anos), as condições em que ocorreram a ofensa (mesmo com acordos coletivos firmados), o porte da empresa, o princípio do não enriquecimento ilícito e o caráter pedagógico da indenização, condenou a entidade ao pagamento de 300 mil reais pelo dano moral coletivo.
Por fim, determinou que, a partir de oito dias da publicação da sentença, a empresa passe a cumprir a obrigação de fazer o pagamento de todos os empregados até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido. A determinação atende um pedido de antecipação da tutela feita pelo MPT e julgado procedente pelo magistrado. Em caso de descumprimento, foi fixada multa diária de 1,5 mil reais, por empregado que receber salário em atraso.
Fonte: TRT23