A investigação apontou que algumas pessoas que trabalham na comunidade têm carteira assinadas e outras não, sendo que a remuneração varia entre R$ 200,00 e R$ 500,00 por mês, com exigência de habitualidade e frequência na prestação do serviço. Além disso, ficou configurado o desvirtuamento realizado pelos pastores em relação ao trabalho voluntário prestado, que embora inicialmente aceito pelos fiéis, estes eram constrangidos a permanecer nesse serviço. Os fiéis aceitavam em razão da coação psicológica dos pastores, anulando o livre-arbítrio e a autodeterminação, razão pela qual o MPT entende caracterizada a prática do trabalho forçado, uma das figuras do tipo do trabalho em condição análoga à de escravo.
Testemunhas ouvidas pela procuradora do Trabalho Andrea Gondin – uma das responsáveis pela ação – afirmaram que os pastores da comunidade Rhema utilizavam seus membros (inclusive menores de dezoito anos de idade) nos mais diversos tipos de trabalho voluntário, como por exemplo: mutirões e faxinas na Comunidade, na casa pastoral ou no colégio que duravam das 15h às 3h ou 4h da manhã do dia seguinte.
Dos 25 professores do Colégio Cristão Rhema, somente três são registrados e recebem salário, o restante são voluntários e, além de ministrarem aulas, realizam faxinas na casa de membros e trabalho gratuito em suas empresas. “Importante salientar que o Colégio Cristão Rhema é particular e cobra mensalidade dos alunos, mas por anos não remunerou seus professores, sob o regime de um suposto trabalho voluntário, alcançado devido à forte pressão psicológica realizada”, explica Andrea Gondin.
Os pastores, contudo, não trabalharam de graça para a comunidade. Consta dos autos do processo o relatório da fiscalização de auditores do Trabalho as imagens dos documentos que demonstram o pagamento do décimo terceiro salário aos “ministros”, ou pastores, em valores que variam de R$ 800,00 a R$ 5 mil.
Testemunhas contaram, ainda, que muitos membros da Comunidade Rhema eram atraídos pelos pastores para viagens aos Estados Unidos da América para participar de Seminários Espirituais organizados pela Igreja Word of Faith Fellowship (pastora Jane Whale), mas que, na verdade, se tornavam mão de obra gratuita. Segundo as testemunhas, “quando os alunos se formam, há um forte incentivo para os jovens irem para os EUA para suposto ‘crescimento espiritual’, o incentivo ocorre na escola, no culto e em reuniões com os pais”; “ os pais arcam com todas as despesas (passagem aérea de ida e volta, taxa de hospedagem, alimentação diária etc)”; “ em momento algum foi passado para os pais que os filhos iriam trabalhar em fábricas e mutirões”; “o aluno vai com o visto de turismo e fica lá 6 meses trabalhando em empresas ligadas à igreja, trabalhando acima de 44 horas semanal sem remuneração”
“Ao longo do inquérito civil, restou cristalino o poder de controle e a pressão psicológica exercida pelos pastores que comandam tanto no primeiro réu, o Ministério Evangélico Comunidade Rhema, quanto o segundo réu, Colégio Cristão Rhema, capaz de anular a personalidade de seus membros, restringindo sua liberdade individual significativamente, de modo que a alienação resultado de tamanha opressão possibilitava a exploração através de gestão e uso destas pessoas como pseudo trabalhadores voluntários”, como consta da ação nº 1000125-39.2018.5.02.0292, que tramita na 2ª Vara do Trabalho de Franco da Rocha, assinada também pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury e pelos representantes da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), procuradora Catarina Von Zuber e procurador Ulisses Dias de Carvalho.
Trabalho infantil – Segundo os relatos das testemunhas, as crianças e os adolescentes que frequentam o Colégio Cristã Rhema são obrigados a trabalhar na comunidade. As aulas são suspensas sempre que precisam de ‘voluntários’ em eventos da igreja ou da própria escola, seminários, casamentos e não há opção de não participação, uma vez que, se recusarem, são encaminhados para a sala de restrição ou mandados para isolamento domiciliar, caracterizando a forte pressão psicológica.
Na ação ajuizada, os procuradores argumentam que, ao exigirem, sob ameaça de restrição, que crianças e adolescentes realizem trabalhos tidos como voluntários, com prejuízo de frequência e conteúdo escolar, fica configurada grave violação aos direitos das crianças e adolescentes justamente do Colégio Rhema que deveria educar e proteger. Desta forma, pedem à Justiça do Trabalho que o colégio seja suspenso preventivamente e depois dissolvidos definitivamente, tendo suas atividades encerradas. “O trabalho voluntário, exigido de criança e adolescente, sob ameaça, descaracteriza completamente o instituto, razão pela qual os réus devem abster-se de exigir trabalho voluntário de crianças e adolescentes, sob pena de dissolução do colégio cristão Rhema”.
Danos morais coletivos – Tendo em vista o longo período em que os abusos foram cometidos contra, inclusive, crianças e adolescentes, a quantidade de irregularidades cometidas e as vantagens econômicas obtidas, o MPT pede na justiça que a igreja e a escola sejam dissolvidos em razão do desvio de finalidade. Em caso de a justiça julgar improcedente o pedido, que seja exigido dos réus a abstenção de exigência de trabalho voluntário por meio de qualquer forma de constrangimento, coação ou ameaça; que cesse a exigência, ou mesmo a solicitação de trabalho voluntário a menores de dezoito anos de idade, sob qualquer hipótese; que celebre termo de adesão prévio em toda e qualquer prestação de trabalho voluntário resultante da intermediação ou participação com o prestador do serviço voluntário; que faça o registro do contrato de trabalho de seus empregados na CTPS; que se abstenha qualquer conduta que implique a exploração de trabalho forçado de seus fiéis, neste incluído aqueles realizados mediante ameaça de castigo ou restrição, entre outros.
Pede, também, a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivo no valor de R$ 500 mil e indenização no valor de R$ 50 mil por danos morais individuais a cada trabalhador lesado. Solicita, também, que seja declarada exploração de mão de obra análoga à de escravo e, após o trânsito em julgado da ação, enviar as decisões ao Ministério do Trabalho e Emprego, à Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) e à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para inclusão dos réus na lista suja do trabalho escravo.
Fonte: MPT