EMENTA
PROPAGANDISTA VENDEDOR. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. Atividade
desenvolvida com autonomia, sem controle da jornada, tampouco
necessidade de comparecimento na empresa, são características de contrato
de representação comercial, e não de vínculo de emprego.
ACÓRDÃO
por maioria, vencido o Exmo. Desembargador André Reverbel Fernandes, DAR PROVIMENTO AO
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA, para absolvê-la da condenação imposta na sentença,
restando prejudicada a apreciação das demais inconformidades elencadas no recurso, bem como
das pretensões contidas no recurso ordinário do reclamante. Custas por reversão ao reclamante,
dispensado o pagamento em face da gratuidade da justiça deferida na sentença.
VOTO RELATOR
DESEMBARGADOR JOÃO PEDRO SILVESTRIN:
[...]
MÉRITO.
REPRESENTAÇÃO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS. RELAÇÃO DE EMPREGO E
CONSECTÁRIOS DEVIDOS.
A sentença reconheceu a existência de vínculo de emprego entre as partes, de 01/03/2008 a
31/01/2013, e a ocorrência da extinção do contrato de trabalho sem justa causa, condenando a
reclamada ao pagamento das verbas rescisórias (aviso prévio, férias com 1/3, décimo terceiro
salário do período contratual e FGTS).
A reclamada, em longo arrazoado, sustenta que a decisão contraria tanto a legislação vigente
como a prova produzida nos autos. Em suma, afirma que o reclamante prestou os serviços na
condição de representante comercial autônomo, mediante a prévia formalização de contrato
firmado nos termos da Lei nº 4.886/65, inexistindo qualquer ingerência entre a empresa
representada e os serviços por ele prestados, não havendo falar na existência de qualquer
elemento hábil para caracterizar a relação empregatícia. Nega a ausência do vínculo reconhecido,
enfatizando a similaridade entre o contrato de representação e as normas trabalhistas, o que afasta
eventual mácula no ajuste firmado entre as partes. Acrescenta que o recorrido constituiu empresa
de representação comercial, com regular atividade no ramo de confecções antes do início da
prestação dos serviços à reclamada, aduzindo que houve a emissão de 141 notas fiscais para
terceiros, que não a recorrente, e nunca existiu a exclusividade alegada, impondo-se a reforma
total da sentença.
Analiso.
Trata-se de demanda em que houve o reconhecimento da existência de vínculo de emprego
entre o reclamante, contratado como representante comercial pela reclamada (fls. 257/264 e
289/307), empresa, que tem como objeto social "pesquisar, desenvolver, fabricar, embalar,
armazenar, transportar, distribuir, comercializar e expedir matérias-primas e insumos, produtos
farmacêuticos, produtos médicos e correlator; e" "importar e exportar produtos e insumos e/ou
matérias-primas [...]", consoante estabelece o art. 4º da 37ª Alteração e Consolidação do Contrato
Social colacionado aos autos (sem grifos nos originais – fls. 204/220).
Vale dizer, que a reclamada explora, entre outras atividades, o comércio de medicamentos, o
que se coaduna com o objeto previsto na cláusula primeira do instrumento contratual firmado entre
as partes em 1º de agosto de 2008 (fls. 257/270), aditado, sucessivamente em janeiro/2009 (fls
271/272), fevereiro/2010 (fls. 273/276) e maio /2011 (fls. 277/288), bem como do contrato de
representação comercial firmado em fevereiro/2012 (fls. 289/297), aditado em abril do mesmo ano
(fls. 305/307).
Conforme postulado na peça inicial, a relação empregatícia reconhecida na sentença decorreu
do alegado desempenho do cargo de "propagandista vendedor", conquanto o reclamante tenha sido
contratado como "representante autônomo", tendo em vista que o Juiz da instrução concluiu pela
presença dos requisitos previstos na legislação trabalhista.
Portanto, a controvérsia que remanesce consiste em definir se o reclamante foi, em última
análise, vendedor empregado ou verdadeiro representante comercial autônomo.
Com efeito, nos termos do art. 3º da CLT considera-se empregado toda pessoa física que
presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante
salário.
O artigo 1º da Lei n. 4.886/65, de outra parte, qualifica como representante comercial
autônomo a "pessoa jurídica ou pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em
caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios
mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para transmiti-los aos representados, praticando ou
não atos relacionados com a execução dos negócios".
Como verifico da leitura dos textos de lei, existe uma verdadeira "zona gris" entre o trabalho
prestado pelo representante autônomo e o trabalho do vendedor empregado.
Segundo Ribeiro de Vilhena, "a Lei n. 4.886/65 fixa uma tênue linha divisória – uma zona gris
– entre o representante comercial autônomo e aquele que se submete ao vínculo de emprego. Vê-
se ali a previsão de que, assim como o contrato de trabalho subordinado, os serviços prestados
pelo representante comercial autônomo, se caracterizam como não eventuais (art. 1º); que a
representação pode ser de uma pessoa, atraindo a ideia de pessoalidade (art. 1º); que o contrato
pode prever a delimitação de zona de atuação (art. 27, letra d) ou condição de exercício exclusivo
ou não da representação (art. 27, letra i). A possibilidade de prática de atos que tenham ligaçãocom a execução dos negócios não constitui característica exclusiva da relação de emprego. Veja-se
que o caput do art. 1º insere estas atividades no rol das desenvolvidas pelo representante
comercial, o que pode incluir as cobranças e as preparações do ambiente ligado às vendas" ('in'
"Relação de Emprego, Estrutura Legal e Supostos", 2ª ed., LTr, p. 497).
Os dois institutos possuem, sem sombra de dúvidas, características comuns, todavia, é o
elemento subordinação que, marcante no vínculo de emprego, autoriza distinguir uma da outra
hipótese.
Sobre esse aspecto, ainda, registro que Maurício Godinho Delgado ('in' Curso de Direito do
trabalho, 3 ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 584), ensina o que: “No plano concreto, nem sempre é
muito clara a diferença entre autonomia e subordinação. É que dificilmente existe contrato de
prestação de serviços em que o tomador não estabeleça um mínimo de diretrizes e avaliações
básicas à prestação efetuada, embora não dirija nem fiscalize o cotidiano dessa prestação. Esse
mínimo de diretrizes e avaliações básicas, que se manifestam principalmente no instante da
pactuação e da entrega do serviço (embora possa haver uma ou outra conferência tópica ao longo
da prestação realizada) não descaracteriza a autonomia. Esta será incompatível, porém, com uma
intensidade e repetição de ordens pelo tomador ao longo do cotidiano da prestação laboral.
Havendo ordens cotidianas, pelo tomador, sobre o modo de concretização do trabalho pelo obreiro,
desaparece a noção de autonomia, emerge, ao revés, a noção e realidade da subordinação.”
No presente caso, a documentação colacionada, especialmente nas fls. 113/174 e 255/307,
acena para a existência de relação diversa da empregatícia, cabendo frisar que a reclamada
também juntou o contrato de constituição de sociedade limitada, firmado entre o reclamante e a
sócia V. N. P. em 11/01/2008 e titulada "N. E. S. A. & Cia Ltda", cuja sociedade, em conformidade
com o descrito na cláusula terceira (fl. 251), tem como escopo explorar atividades comerciais,
incluindo a representação de produtos farmacêuticos (fls. 251/254), além de comprovar o registro
da empresa perante a Receita Federal e a Secretaria da Fazenda Estadual (respectivamente, fls.
255/256).
O laudo pericial contábil (fls. 472/492), elaborado a requerimento da parte autora (fls.
449/458), discorre sobre diferentes aspectos da relação havida entre as partes, cabendo destacar
que o perito contador confirma que o serviço prestado pelo reclamante era retribuído sob a forma
de comissões (v. g. fls. 477/483).
Assim, a questão relativa à existência, ou não, de vínculo de emprego, conquanto dirimida na
sentença com base na prova oral, já demonstra que os elementos apresentados pela defesa são
suficientes para dar guarida à tese propugnada pela reclamada.
De outro giro, diferentemente do decidido na sentença recorrida, o depoimento da
testemunha C., apresentado pelo reclamante (fl. 591, frente e verso, primeira parte), não
demonstra realidade fática que corrobore a versão da peça inicial, merecendo destaque as
seguintes declarações: "[...] que trabalhou como representante comercial na reclamada no período
de 2006 a 2014; que a área de atuação do depoente era Porto Alegre; que a atividade do depoente
consistia em efetuar vendas de produtos da reclamada para farmácias; que o depoente atendia as
farmácias de acordo com cadastro fornecido pela reclamada, possuindo liberdade para prospectar
novos clientes; que o depoente tinha margem para negociação com os clientes, dentro dos limites
previamente estabelecidos pela empresa [...]", "que o depoente elaborava seu roteiro de visitas, de
acordo com o número de visitas estabelecido pela empresa" e "que o depoente poderia compensar
um número menor de visitas em um dia com um número maior em outro" (grifei).
Portanto, tais assertivas coadunam-se com as alegações defensivas, não podendo ser
desconsideradas, muito embora outras declarações possam ensejar interpretação diversa, tais
como "que a empresa fiscalizava a atividade do depoente, seja com estabelecimento de pontos de
encontro, seja com o acompanhamento, por ocasião das vendas, de gerente, pessoal de campo e
de marketing da reclamada", "que o depoente submetia previamente seu roteiro de visitas ao seu
gerente" e "que o depoente já possuía empresa quando foi contratado", mas como acima transcrito,
a doutrina e a jurisprudência não permitem concluir por um juízo de certeza, como decidido na
espécie.
Diante desse contexto, concluo que apesar das alegações do reclamante e das declarações da
testemunha que apresentou em juízo para depor, na tentativa de demonstrar que a relação era
empregatícia, tal pretensão resta afastada não só pela prova documental como por diversas
afirmações do depoente C. como pelo contundente depoimento da testemunha M. que, conquanto
ouvida em outro feito, dá uma dimensão exata da realidade fática existente quanto às relações
havidas entre prestadores ou "vendedores" autônomos e a demandada, mormente no que pertine à
propalada subordinação com a empresa.
A toda a evidência, pois, a realidade fática emergente dos autos não autoriza manter a
conclusão de existência de contrato de emprego entre os litigantes, pois considero frágeis os
elementos de prova em favor do reclamante, em contraposição aos evidentes traços de autonomia
da atividade desempenhada, levando à conclusão de que a prestação de serviços não se
desenvolveu nos moldes do vínculo de emprego, mas na condição de trabalhador autônomo.
Além disso, exsurge que de fato não havia controle de jornada, tampouco a obrigação de
cumprimento de metas, pois, na verdade, o interesse nas vendas era do próprio representante
comercial, que auferia os ganhos (comissões) conforme as vendas realizadas dos produtos
farmacêuticos. Sequer restou demonstrada a necessidade de comparecimento na empresa, o que
ocorria apenas quando havia divulgação de produto ou promoção novos ou em determinados
eventos, cuja participação também era do interesse do reclamante.
De tudo o que foi exposto, tenho que o reclamante efetivamente atuou de forma autônoma,
inclusive por assumir carteira de clientes específica e podendo até acrescentar novos clientes em
seu cadastro.
Nesse sentido, cito ementa de decisão proferida neste Turma acerca de idêntica controvérsia:
"VÍNCULO DE EMPREGO. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. Demonstrada
a ausência de subordinação jurídica no período em que discutida a natureza do
vínculo entre as partes, é de ser mantida a decisão que rejeitou a pretensão de
reconhecimento do vínculo empregatício em período anterior ao anotado na CTPS do
reclamante." (TRT da 4ª Região, 4a. Turma, [...] RO, em 21/05/2015,
Desembargador João Batista de Matos Danda – Relator. Participaram do julgamento:
Desembargador Marcelo Gonçalves de Oliveira, Desembargador George Achutti).
Sendo inviável a manutenção da decisão que reconheceu o liame de emprego vindicado, não
há falar em registro da relação de trabalho CTPS, pagamento de parcelas trabalhistas decorrentes
pleiteadas na peça inicial, tampouco de aplicação de normas coletivas que tutelam os empregados
vendedores.
Por todos esses fundamentos, dou provimento ao recurso ordinário da reclamada, para
absolvê-la da condenação imposta na sentença, restando prejudicada a apreciação das demais
inconformidades elencadas no mesmo, bem como das pretensões contidas no recurso ordinário do
reclamante.
DESEMBARGADOR ANDRÉ REVERBEL FERNANDES:
REPRESENTAÇÃO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS. RELAÇÃO DE EMPREGO E
CONSECTÁRIOS DEVIDOS.
Diverge-se do voto do Excelentíssimo Desembargador Relator.
A prova produzida nos autos ampara a tese defendida pela parte autora, no sentido de que
laborou na condição de empregado da reclamada, exercendo a função de propagandista-vendedor,
e não de representante comercial autônomo. Isso porque o elemento jurídico da subordinação (art.
3º da CLT) encontra-se demonstrado pela prova testemunhal. Com efeito, a testemunha convidada
pelo reclamante afirma que as farmácias atendidas eram aquelas contidas no cadastro da
reclamada (ainda que pudessem prospectar novos clientes), que havia uma margem de negociação
estipulada pela ré e que os roteiros de visitas eram submetidos ao gerente.
Colaciona-se trecho da sentença de origem, cujos fundamentos se adotam:
Neste aspecto, entendo que o reclamante se desincumbiu a contento, visto que a
prova testemunhal produzida confirma a subordinação dos representantes comerciais,
onde o reclamante se encaixa, em face da reclamada.
Afirma a testemunha apresentada pelo reclamante, conforme ata da fl. 591: [...] que
trabalhou como representante comercial na reclamada no período de 2006 a 2014;
que a área de atuação do depoente era Porto Alegre; que a atividade do depoente
consistia em efetuar vendas de produtos da reclamada para farmácias; que o
depoente atendia as farmácias de acordo com cadastro fornecido pela reclamada,
possuindo liberdade para prospectar novos clientes; que o depoente tinha margem
para negociação com os clientes, dentro dos limites previamente estabelecidos pela
empresa; que a empresa fiscalizava a atividade do depoente, seja com
estabelecimento de pontos de encontro, seja com o acompanhamento, por ocasião
das vendas, de gerente, pessoal de campo e de marketing da reclamada; que o
depoente elaborava seu roteiro de visitas, de acordo com o número de visitas
estabelecido pela empresa; que o depoente submetia previamente seu roteiro de
visitas ao seu gerente [...]
No presente caso, o que também entendo ser difícil nesta área, a subordinação está
presente, visto que a empresa sempre vai querer uma padronização seja na
apresentação do produto, seja na forma de atuação dos trabalhadores, seja na busca
de ampliação de campo, o que implica, necessariamente na interferência
administrativa e subordinação jurídica, impondo-se o reconhecimento de verdadeira
relação de emprego, mascarada através da representação comercial.
Nega-se provimento ao recurso da reclamada.
DESEMBARGADOR GEORGE ACHUTTI:
REPRESENTAÇÃO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS. RELAÇÃO DE EMPREGO E
CONSECTÁRIOS DEVIDOS.
Acompanho o voto condutor, por seus próprios fundamentos.