Reconhecido vínculo de emprego entre digitador de apostas de jogo do bicho e lotérica de Cruz Alta

 

Conforme alegações da petição inicial, o trabalhador foi admitido em abril de 2010 para trabalhar na atividade de serviços lotéricos e despedido sem justa causa em agosto de 2013, sem que tenha havido registro do contrato em Carteira de Trabalho. Ainda segundo o reclamante, após a admissão, ficou sabendo que sua tarefa consistiria em digitar apostas para o jogo do bicho. Neste contexto, sustentou que os requisitos caracterizadores da relação de emprego estiveram presentes, o que possibilitaria o reconhecimento do vínculo empregatício, independentemente do caráter de contravenção dado à prática do jogo do bicho. Utilizou-se do argumento de que, embora a ilicitude da atividade, os reclamados não poderiam beneficiar-se da própria torpeza ao negar-lhe o vínculo de emprego. Dois dos reclamados, no entanto, alegaram que não trabalhavam no ramo de loterias, mas sim em lojas de produtos de vestuário. O terceiro reclamado, representante de uma casa lotérica, afirmou que só trabalha com jogos oficiais e regulados pela Caixa Econômica Federal. Todos negaram a prestação de serviços do reclamante.

Ao julgar o caso em primeira instância, o juízo da Vara do Trabalho de Cruz Alta entendeu que, mesmo presentes os requisitos objetivos que caracterizam a relação de emprego, esta não poderia ser reconhecida, porque o objeto do contrato é considerado ilícito. Neste sentido, o contrato seria nulo de pleno direito e não geraria efeitos. Diante disso, negou o reconhecimento ao reclamante, que recorreu da decisão ao TRT-RS.

Apontador x digitador

Segundo a relatora do recurso na 11ª Turma do TRT-RS, desembargadora Flávia Lorena Pacheco, a Lei das Contravenções Penais classifica, de fato, a atividade de jogo do bicho como ilícita, inclusive prevendo a pena de prisão para os praticantes. Adicionalmente, como mencionou a magistrada, a Orientação Jurisprudencial nº 199 do TST prevê que “é nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato jurídico”.

Entretanto, no entendimento da relatora, as provas trazidas ao processo não demonstraram que o trabalhador era apontador do jogo do bicho, mas sim mero digitador de apostas já realizadas nas casas lotéricas. Neste sentido, conforme a desembargadora, não havia obstáculo para que fosse reconhecida a relação de emprego, sendo que os demais requisitos foram devidamente comprovados.

Como consequência, o período trabalhado pelo empregado deve ser registrado na Carteira de Trabalho. Já a respeito das consequências deste reconhecimento, tais como o pagamento das verbas trabalhistas reflexas, a relatora determinou a volta dos autos à Vara de origem para julgamento, sob pena de suprimir as instâncias de julgamento obrigatórias no processo. O entendimento foi unânime na Turma Julgadora.

Saiba mais

Relação de trabalho é qualquer relação admitida pelo ordenamento jurídico  em que uma pessoa coloca sua força de trabalho à disposição de uma pessoa física ou jurídica. Como exemplos, existem o trabalho voluntário, o trabalho autônomo, o estágio, a relação de emprego, entre outros.

A relação de emprego é aquela definida pelos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Conforme o dispositivo legal, para que haja relação de emprego é necessário que o trabalho seja prestado por pessoa física, com pessoalidade (o empregado contratado deve prestar o serviço pessoalmente, não pode se fazer substituir por outro), onerosidade (as atividades são realizadas mediante salário), não eventualidade (o trabalho deve repetir-se ao longo do tempo na empregadora, não pode ser um evento isolado) e subordinação (o empregador tem direito de dirigir o trabalho, dar ordens ao empregado, que está juridicamente subordinado à empresa).

Pelo princípio da primazia da realidade, se estes requisitos estiverem presentes, mas a situação formal de um trabalhador estiver caracterizada como outra relação, os órgãos de proteção do trabalho devem desconstituir a situação formal e reconhecer a situação real, já que o artigo 9 da CLT prevê que são nulos de pleno direito os atos que visem fraudar a relação de emprego.

Fonte: TRT4