A decisão foi proferida na 2ª Vara do Trabalho de Cuiabá em ação civil pública contendo diversos autos de infração aplicados à empresa após auditores da Superintendência Regional do Trabalho (SRT) constatarem adolescentes trabalhando em ambiente insalubre, bem como durante o período noturno. As fiscalizações revelaram ainda a presença de menores de idade em serviço contínuo que demandam o uso de força muscular superior a 20 quilos e a prorrogação de jornada desses jovens trabalhadores.
Ajuizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o processo traz ainda relatórios sobre os controles de jornada de empregados de 12 filiais em Cuiabá e Várzea Grande, de agosto a outubro de 2016, que demonstram cerca de 32 mil registros de descumprimento de normas trabalhistas, especialmente quanto ao descanso semanal remunerado, à extrapolação da jornada, aos intervalos durante o expediente (intrajornada) e entre um dia e outro de trabalho (interjornada).
De acordo com o MPT, foram analisadas as folhas de ponto de aproximadamente 2,4 mil empregados, sendo identificadas, durante esses dois meses, situações de até 18 dias seguidos de trabalho sem descanso semanal, jornadas de mais de 12 horas diárias e casos de funcionários que trabalharam sem ao menos 11 horas de intervalo entre um dia e outro, chegando a registrar ocasiões em que esse intervalo foi menor que oito horas entre uma jornada e outra. As análises revelaram ainda 4,2 mil episódios sem a concessão do intervalo intrajornada, mesmo nos dias em que o expediente extrapolou as oito horas diárias.
Pelo conjunto das irregularidades, o MPT pediu que o grupo fosse condenado em 20 milhões de reais por dano moral coletivo.
Em sua defesa, os representantes das empresas não apontaram nenhuma inconsistência nos relatórios apresentados pelo MPT, limitando-se a justificar que os descumprimentos das normas foram pontuais, não sendo um padrão operacional das empresas e os que autos de infração se referem a um número reduzido de trabalhadores.
Ao analisar à questão das irregularidades quanto aos jovens trabalhadores, a juíza Ana Maria Lins enfatizou que a Constituição Federal, a mais importante norma do país, estabelece em seu artigo 7º a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos. Nesse mesmo artigo, proíbe também qualquer trabalho a menores de 14, salvo na condição de aprendiz, com base nos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta, nos quais se embasa ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A magistrada lembrou que essa proteção se deve especialmente por estarem crianças e adolescentes em desenvolvimento, com fragilidades físicas e psicológicas próprias dessa fase. Independentemente do número de trabalhadores envolvidos nas irregularidades verificadas, certo é que houve, pelas Rés, um descaso no que concerne ao cumprimento de ditames constitucionais e legais de suma importância, que envolvem o trabalho de adolescentes, pessoas ainda em formação e que devem ter especial proteção da sociedade e do poder público, ressaltou.
Obrigações a serem cumpridas imediatamente
Desse modo, julgou procedentes os pedidos do MPT e condenou o grupo econômico a cumprir uma série de obrigações, dentre as quais não contratar menores de 18 anos para a realização de trabalho noturno e nem insalubre; não prorrogar a duração da jornada dos jovens trabalhadores, sem convenção ou acordo coletivo de trabalho; não submeter os aprendizes à prorrogação e/ou compensação de jornada de trabalho e não permitir que eles atuem em serviço que exija força muscular superior a 20 quilos para o trabalho contínuo ou 25 quilos para o trabalho ocasional.
Para o caso de descumprimento de quaisquer uma delas, fixou multa de 5 mil reais por trabalhador prejudicado e a cada irregularidade constatada.
A juíza concedeu ainda a antecipação da tutela pedida pelo MPT, determinando que as obrigações fixadas na decisão sejam cumpridas no prazo de 30 dias da sentença, independentemente do trânsito em julgado, também sob pena de multa diária de 5 mil reais por trabalhador prejudicado e a cada irregularidade individualmente encontrada.
Com relação às irregularidades cometidas junto aos demais trabalhadores, a magistrada concluiu, com base na documentação existente no processo, pela contumácia da conduta das empresas de descumprir os direitos trabalhistas.
Dentre às afrontas à legislação, ela destacou a não concessão de descanso semanal remunerado de 24 horas, prorrogação da jornada além do limite de duas horas diárias estabelecido pela legislação, intervalo entre um dia e outro de trabalho menor que 11 horas, realização de horas extras em atividades insalubres sem a licença prévia da autoridade competente e o descumprimento quanto ao trabalho em turnos de revezamento.
A juíza lembrou que a limitação da duração do trabalho tem relação direta com a dignidade humana, ao assegurar ao trabalhador o direito fundamental a uma vida pessoal, familiar e social alheia à profissional, em que possa se desenvolver intelectual, moral e fisicamente.
Além disso, contribui para a saúde mental e física dos empregados, com a manutenção de um ambiente de trabalho salubre e com redução de riscos. Estudos apontam que a ampliação da jornada aumenta consideravelmente as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais ou acidentes do trabalho.
Pela sua importância, a limitação da jornada consta textualmente na Constituição Federal que estabelece, em seu artigo 7, a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais.
Por tudo isso, a magistrada condenou o grupo econômico a uma lista de obrigações com relação a todos os seus empregados, de conceder o descaso semanal de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos; não prorrogar a jornada normal para além de duas horas extras diárias; conceder descanso mínimo de 11 horas consecutivas entre dois dias de trabalho e intervalo de alimentação e descanso durante a jornada; entre outras.
Também essa lista de obrigações deve ser cumprida no prazo de 30 dias da publicação da sentença e seu descumprimento acarretará multa de 5 mil reais a cada trabalhador prejudicado e a cada irregularidade constatada.
Dano Moral Coletivo
Por fim, reconheceu que, pelo conjunto de afrontas às normas, houve violação de direitos indisponíveis da sociedade. A ofensa perpetrada pelas Rés atingiu, a um só tempo, a dignidade dos trabalhadores submetidos às condições de labor em sobrejornada, como também à coletividade que se sente afetada quando se depara com infrações de tamanha gravidade em detrimento de um patamar mínimo civilizatória previsto na ordem jurídica, assim esperado como modelo social perquirido por todos, enfatizou.
Concluiu, assim, pelo dever de as empresas indenizarem a coletividade, uma vez presente o ato ilícito e o nexo de causa entre esse e o dano ocorrido.
Quanto ao valor a ser pago pelo dano coletivo, a magistrada levou em conta balizas como a razoabilidade, a culpa e situação econômica do grupo (cujo capital social de uma das empresas com 14 filiais é de 2,5 milhões de reais), a intensidade das lesões e a repercussão do dano. Com base nesses parâmetros, fixou a condenação em 5 milhões de reais, valor que será revertido à instituição filantrópica de escolha do MPT para que atenda às necessidades da comunidade local ou, sucessivamente, ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Após a condenação, as empresas interpuseram recurso, requerendo a reforma da sentença. O pedido foi apresentado no início do mês e o caso será reanalisado pelo Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT).
Fonte: TRT23