O Grupo Prerrogativas manifesta sua preocupação com as graves consequências que suscita a medida liminar do Ministro Gilmar Mendes, nas ADCs 58 e 59, ao determinar que se suspenda o curso de todas as ações trabalhistas nas quais se discutam índices de correção monetária incidentes sobre os créditos apurados em favor dos trabalhadores.
Tal ordem, de plano, paralisa a Justiça do Trabalho, pois alcança, senão todos, uma massacrante maioria dos feitos em tramitação.
A Justiça do Trabalho é fundamental à pacificação dos conflitos trabalhistas, em especial quando o Brasil assume a condição de epicentro de uma pandemia letal, que fricciona ainda mais os interesses envolvidos nas relações de trabalho. Ela tem sido a mais atuante vertente do Poder Judiciário, mantendo, dentro do possível e com enorme esforço de todos os envolvidos, as suas obrigações institucionais.
Ao determinar a suspensão dos processos por medida liminar com espectro quase ilimitado de alcance dos feitos, atingindo especialmente a sua fase final, de apuração dos valores devidos aos trabalhadores, frustra-se todo o esforço empreendido pela Justiça do Trabalho e ficam os credores sem receber o que lhes é devido, emitindo o péssimo sinal de que a renitência em pagar créditos alimentares é eficaz e lucrativa.
A decisão agracia os devedores com a suspensão dos feitos e a apropriação dos valores negados aos trabalhadores, com a redução artificial dos passivos trabalhistas de grandes devedores.
Historicamente a Taxa Referencial sempre foi, por prefixada e ficta, um arremedo de índice de correção monetária, tendo sido seguidas vezes declarada inconstitucional pelo próprio Supremo Tribunal Federal para corrigir créditos de outras naturezas.
E se antes era insuficiente a ponto de ser dito pífio, esse índice tem se prestado, pelo menos desde setembro de 2017, a exercer o papel de negacionista do fenômeno inflacionário. Sim. Desde setembro de 2017 não houve uma só oportunidade em que a Taxa Referencial deixou de ser zero.
É o negacionismo oficial da inflação, mensurada por outros índices oficiais, que passam ao largo dos créditos da classe trabalhadora. A correção monetária deve ser representação matemática precisa do fenômeno da inflação, que se opera ipso facto.
É como se a liminar pudesse, a um só tempo, paralisar o Judiciário, suprimir a correção monetária e premiar, por fim, a inadimplência.
Tão grave quanto o congelamento dos créditos é a intervenção institucional da decisão monocrática em meio ao julgamento da matéria no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, especialmente quando já se havia formado maioria no Pleno daquela Corte Superior sobre a matéria, sem que se aguardasse a devida processualidade para a discussão da questão perante a Suprema Corte, que preferiu, monocraticamente, silenciar a palavra da Corte Superior.
Como já se não bastassem todos os ataques assacados ao Direito do Trabalho e à proteção dos trabalhadores nos últimos anos, toda e qualquer pretensão a crédito trabalhista acaba sem fluidez e concretização e a medida liminar intervém no julgamento em curso em uma Corte Superior, o Tribunal Superior do Trabalho, às vésperas de sua conclusão.
Atropela, também, o diálogo já desigual que se vinha travando no âmbito do Poder Legislativo. Debruçava-se o Senado Federal sobre a matéria que também tem curso no âmbito do Poder Legislativo. E ali, as negociações políticas fluíam, o também se interrompe pela decisão monocrática.
No mérito, nega às cidadãs e cidadãos trabalhadores, formais ou aspirantes à formalidade, o que é assegurado a todos os demais brasileiros: correção monetária. E deles se suprime tal direito pela exclusiva circunstância de serem trabalhadores.
Tal como a pandemia, que afeta mais agudamente os vulneráveis sociais, a medida liminar, que invoca a disseminação do vírus como ratio decidendi, afeta de modo cruel os credores trabalhistas, esquecendo-se de que o fenômeno inflacionário apreende a corrosão do poder de compra da moeda e não qualquer aspecto biológico que permita distinguir créditos das trabalhadoras e dos trabalhadores de todos os demais que grassam pelo sistema financeiro nacional.
Impressionante é notar que a ação é de iniciativa da Confederação Nacional do Sistema Financeiro, que não corrige monetariamente nenhum negócio jurídico pela invariavelmente zerada Taxa Referencial.
O efeito da medida, portanto, é cruel, dado o momento que vivemos. Retira dos desvalidos não só o crédito, mas o tempo, convertendo esperança de justiça em espera indeterminada, a iniciar por aguardar o próprio período de férias que o STF goza durante todo o mês de julho.
Basta de depositar nas costas dos trabalhadores o fardo dos erros de terceiros. A liminar não é apenas inoportuna em tempos de pandemia. É contributiva dos efeitos do vírus.
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Grupo Prerrogativas, 1 de julho de 2020.