TRT10: legislação trabalhista garante direitos especiais para professores

O Brasil possui mais de dois milhões de professores, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em Brasília (DF), parte desses profissionais é regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e atua em aproximadamente 450 instituições de ensino particular de educação básica, onde estão matriculados mais de 200 mil alunos. Para atender às especificidades dessa carreira, a seção XII do normativo trabalhista – que vai do artigo 317 ao 323 – define garantias especiais para o professor.
 
Dentre elas, a jornada de trabalho diária em um mesmo estabelecimento, a qual é limitada a quatro aulas consecutivas ou até seis intercaladas. A juíza do trabalho e também professora Noêmia Porto explica que se trata de uma tentativa de preservar a saúde do profissional. “O Ministério da Educação define o que são horas-aula. A hora-aula diurna equivale a 50 minutos e a hora-aula noturna (a partir das 20 horas) equivale a 45 minutos. Se extrapolar a jornada prevista na CLT, o profissional tem direito a horas extras”, afirma.
Segundo o diretor jurídico do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinproeb), Rodrigo de Paula, o tratamento é especial porque a função gera um desgaste muito grande. “Para se ter uma ideia, a média de alunos por professor, em determinados momentos, chega a 300. Por isso, há dano excessivo para a voz, fica-se muitas horas em pé, reproduzindo movimentos repetitivos, como escrever no quadro”, observa o representante da entidade.
 
A remuneração dos professores também é paga de forma diferente das outras categorias. Ela é fixada pelo número de aulas semanais e o pagamento mensal sempre deve considerar a soma de quatro semanas e meia. Já o descanso semanal remunerado é calculado a parte e deve ser discriminado no contracheque. “Esse valor equivale, mais ou menos, a um sexto do valor total da remuneração do professor”, informa a magistrada.
Outra garantia é a de gozar férias durante as férias escolares. “A exceção é para as chamadas ‘semanas pedagógicas’, em que o professor se organiza e se planeja para o semestre seguinte”, pontua o diretor do Sinproeb. E, em razão do período específico de férias, o professor não pode cumprir aviso prévio nessa ocasião, o que obriga o empregador a indenizar o professor, proporcionalmente ao tempo de serviço, caso ele seja demitido sem justa causa ao término do ano letivo ou no curso das férias escolares. A questão, inclusive, é objeto da súmula 10 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
 
Terceirização
 
A juíza do trabalho Noêmia Porto acredita que essas proteções são essenciais, porque a categoria é uma das mais importantes para o crescimento da sociedade e o desenvolvimento da cidadania. “Ainda assim, os professores, além de enfrentarem problemas típicos da profissão, também se deparam com problemas comuns a todos os profissionais do mercado de trabalho hoje”, observa. Um dos mais recentes e preocupantes é o fenômeno da terceirização.
“Temos notícia de muitos estabelecimentos de ensino que utilizam esse artifício da intermediação de mão de obra para contratação de professores, o que acaba precarizando uma atividade profissional, que, segundo a Constituição Federal de 1988, deveria, ao contrário disso, estar sofrendo um processo progressivo de valorização. É importante destacar que estabelecimentos de ensino não podem contratar professores de forma intermediada, porque não se pode terceirizar a atividade-fim”, lembra a magistrada.
De acordo com ela, os professores devem ser contratados da forma como a lei estabelece, com anotação na carteira de trabalho. “Professor não é auxiliar de ensino, assistente de classe, assistente de aluno, fiscal de aluno. Professor é professor. Essa denominação é muito importante, para que, por exemplo, esse profissional, ao final da sua carreira, possa postular aposentadoria que é consignada especialmente aos professores”, ressalta.
 
Aposentadoria
 
O artigo 56 da Lei 8.213, de 1991 – que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social – permite a aposentadoria por tempo de serviço do professor, após 30 anos, e da professora, após 25 anos de efetivo exercício em funções de magistério. Com isso, fica garantida renda mensal correspondente a 100% do salário-benefício pago pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS).
A vantagem é concedida justamente devido à diferença da carreira de professor para as demais profissões. “A aposentadoria especial é justificada para os que sofrem o desgaste diário da regência de sala de aula. Por isso, sou da opinião de que ela deve ser dada, no caso dos professores, apenas aos que efetivamente exercem o magistério, ainda que cumulado com funções administrativas, mas sem abandona-lo ou suspendê-lo”, defende o juiz do trabalho Paulo Blair, que leciona na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB).
 
Magistério na jurisprudência
 
Como definir juridicamente quem é professor? O questionamento divide a jurisprudência e a doutrina sobre a matéria. Na opinião da juíza Noêmia Porto, a interpretação restrita entende que professor é apenas aquele que atua em um estabelecimento oficial de ensino. Por outro lado, a interpretação ampla pode considerar que professor é aquele que desenvolve o magistério, ou seja, que de alguma forma contribui para a formação cultural, educacional e cidadão dos brasileiros.
“Por isso que não podem ser desprezadas, ao contrário, valorizadas, as atividades dos cursos livres e também a de instrutor do Senac e do Senai, porque, afinal de contas, eles ensinam uma profissão, tanto com aulas teóricas quanto com aulas práticas”, esclarece a magistrada. Com relação aos docentes da educação à distância – realidade que cresce vertiginosamente no Brasil e no mundo – o juiz Paulo Blair assegura que eles também são protegidos pela CLT, “com as mesmas garantias, no que couber, por força da isonomia constitucionalmente assegurada”.
 
“Janelas”
 
Uma polêmica que envolve a remuneração da profissão de professor diz respeito às chamadas “janelas”, que são os períodos entre uma aula e outra em que o docente não está em sala de aula, mas permanece na instituição de ensino. Conforme o juiz Paulo Blair, já há jurisprudência consolidada na Justiça do Trabalho que entende que essas horas sejam contabilizadas e pagas ao profissional, pois se trata de tempo à disposição do empregador. “A maior parte das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho da categoria já vem contemplando essa particularidade”, reconhece.
Valorização da carreira
Apesar da proteção especial prevista na CLT, a carreira de professor sofre com a desvalorização. Para a juíza Noêmia Porto, é possível observar três possíveis causas desse processo: “A primeira é que o professor sofre um natural desgaste físico e mental, em razão da atividade. A segunda é que o professor não produz um bem de consumo, embora produza um bem imaterial de imenso valor que é o conhecimento. A terceira é que nem sempre o salário hora-aula é de um valor que possa expressar o discurso da educação de qualidade”, aponta.
 
Na opinião do juiz Paulo Blair, a valorização da educação e do magistério depende da sociedade. “Não creio que o Judiciário deva ter um papel ‘deliberativo’ em tal política, substituindo o parlamento, por exemplo. Mas, uma vez posta em vigor, cabe ao judiciário dar-lhe a eficácia mais ampla possível, tendo-a (como de fato é) como direito de todos e dever do Estado e da família, com vistas ao pleno desenvolvimento da pessoa”, frisa o magistrado.
 
A carga excessiva de trabalho e o estresse diário devido à violência tem contribuído para o aumento de afastamentos por doença, principalmente, a depressão. “A chamada síndrome de Burnout afeta esses profissionais, porque eles tendem a absorver os problemas levados pelos alunos para sala de aula, além do excesso de trabalho. Há um grande número de atestados médicos apresentados. Além disso, o fato do professor não ter estabilidade no ensino particular, muitas vezes, faz com que ele vá trabalhar doente”, lamenta o diretor do Sinproeb, Rodrigo de Paula.
 
“Somos uma categoria com rotatividade de quase 25% por ano”, completa o representante da entidade. Hoje, segundo ele, o piso do professor para educação infantil no Distrito Federal é de R$ 740 para 20 horas. “Mais de 100 escolas na região pagam esse valor. As escolas reajustam anualmente as mensalidades escolares, mas esse reajuste não é repassado proporcionalmente ao professor. É uma relação desigual. Temos muito que comemorar neste dia dos professores, mais pelas nossas realizações do que pelas nossas conquistas”, conclui Rodrigo de Paula.

Bianca Nascimento / MB