A juíza Roberta de Melo Carvalho, na 6ª Vara do Trabalho de Brasília, condenou a Transportes Gerais Botafogo Ltda. – empresa que presta serviço aos Correios – a pagar R$ 1 milhão de indenização por danos morais coletivos. A decisão ocorreu no julgamento de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 10ª Região (MPT10), que comprovou o desrespeito da empresa com relação à jornada de trabalho de seus motoristas.
Na sentença, a magistrada determina que, além de passar a respeitar a jornada de trabalho dos empregados, a Transportes Botafogo também controle de forma fidedigna esse tempo, por meio da adoção de ponto eletrônico e da concessão de intervalos previstos na legislação. Para a juíza responsável pela decisão, o controle da jornada é direito do empregado e dever do empregador.
Conforme informações dos autos, a empresa submetia os motoristas a viagens que superavam 48 horas, no percurso Brasília/Goiânia/Brasília/Belo Horizonte/ Rio de Janeiro/Belo Horizonte/Brasília/Goiânia/Brasília. Apesar do contrato com os Correios prever a disponibilização de dois motoristas, a Transportes Botafogo designava apenas um. Além disso, caso ocorresse atraso superior a 30 minutos no trajeto, a empresa poderia ser multada.
Interpretação equivocada
“Conclui-se que, no mínimo, alguns empregados superavam a jornada de 24 horas de trabalho consecutivo, sem intervalo”, constatou magistrada. Segundo ela, a profissão de motorista foi regulamentada com a Lei 12.619/12. “A questão que tem causado celeuma, e certo mal entendido, diz respeito à equivocada interpretação de que antes da lei especial, os motoristas não eram agraciados pela limitação de jornada, direito consagrado, pelo menos em nível constitucional, desde 1988”, observou.
Ainda no entendimento da juíza Roberta de Melo Carvalho, a errônea conclusão de que motoristas não estariam submetidos às regras gerais da legislação trabalhista se explica pelo enquadramento generalizado da categoria no artigo 62 da CLT – que permite a exclusão dos direitos relativos à jornada para motoristas que exerçam sua atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho.
“O que era para ser exceção tornou-se regra, servindo o dispositivo, como uma salvaguarda aos empregadores, que se sentiam livres para exigir qualquer jornada de um motorista, ao pífio argumento de que não tinha como controlar a jornada. E essa situação injustificável perdurou durante anos”, observou a juíza, que ressalta ainda o resultado dessa interpretação equivocada da legislação.
Segurança em risco
“As consequências nefastas dessa conduta egoística das empresas, guiada por intenção meramente econômica, na busca do lucro desenfreado a todo o custo são de conhecimento público e notório, pois ultrapassaram a relação entre empregado e empregador, para atingir a sociedade como um todo.
Assim, verificamos nas estatísticas os infindáveis acidentes provocados nas estradas brasileiras, impulsionados pelo cansaço, pelo tempo de direção exacerbado e muitas vezes sob os efeitos de drogas para manter o corpo acordado”, pontuou.
O respeito à jornada e aos intervalos dos motoristas, de acordo com a magistrada, deve ocorrer de forma fidedigna, para que não se coloque em risco a vida, a saúde e a segurança desses profissionais. “Vale a máxima interpretação de que os intervalos para repouso, alimentação e descanso são tutelados por norma de ordem pública (…). Pela nova lei, restou expresso que o intervalo intrajornada mínimo é de 1 hora, o interjornada é de 11 horas e o de repouso semanal de 35 horas”, lembrou a juíza.
Condenação pedagógica
Em caso de descumprimento das determinações de controle da jornada de trabalho dos motoristas, a Transportes Botafogo deverá pagar multa diária de R$ 5 mil. Já a indenização no valor de R$ 1 milhão será diretamente revertida ao financiamento de campanhas educativas ligadas ao esclarecimento quanto ao alcance da Lei 12.619/12 e a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos, que tratem de pessoas vítimas de acidente de trânsito. “O dano moral coletivo consubstancia-se pela injusta lesão a direitos e interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade”, explicou.
Bianca Nascimento
Processo nº 0000910-54.2013.5.10.0006