Depois de sofrer cerca de 20 assaltos na drogaria em que trabalhava como caixa, uma empregada buscou na Justiça do Trabalho a decretação da rescisão indireta do seu contrato, além de indenização por danos morais. Ela alegou que sua empregadora mantinha postura de descaso diante dos inúmeros assaltos a que foi exposta, sem demonstrar qualquer preocupação com o estado físico ou emocional dos empregados, ignorando por completo suas tentativas de troca de posto de trabalho.
A drogaria se defendeu alegando ser impossível a sua responsabilização, já que a garantia da segurança pública é dever do Estado. Mas esse argumento não convenceu a juíza Sílvia Maria Mata Machado Baccarini, que julgou o caso na 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Para a magistrada, o direito à segurança, invocado pela empregada, deve ser analisado sob uma perspectiva diferente. Isso porque, nesse caso, a discussão não gira em torno do dever do Estado de zelar pela lei e ordem, mas sim sobre o dever do empregador de garantir a seu empregado, ante a dura realidade de violência que aflige a sociedade, condições mínimas para prosseguir no emprego, não só com integridade física, mas também psicológica.
A magistrada constatou que os empregados da drogaria viviam em constante pressão mental e insegurança, pois, como demonstrado pela prova testemunhal, a trabalhadora foi vítima da inacreditável cifra de 20 assaltos, enquanto sua colega viveu esse horror por 12 vezes em 05 meses.
Apesar disso, a empregadora se limitou a instalar câmeras de vigilância, o que, na ótica da juíza, trata-se de medida de segurança mínima, de pouco ou nenhum impacto contra criminalidade. O mais grave, porém, segundo ponderou a magistrada, foi que a empregadora adotou medidas de minimização de suas perdas, determinando a realização de constantes sangrias, de forma a não deixar dinheiro acumulado nos caixas, sempre que atingido o limite de R$400,00. Ou seja, quando essa quantia era alcançada, o sistema de informática emitia um alerta para a realização da sangria, a ser executada pelo gerente, que, contudo, nem sempre atendia prontamente à requisição, fazendo com que houvesse acúmulo de valores superiores ao determinado pela empregadora. Sabedora dessa situação, a drogaria adotou o que a juíza considerou a mais absurda das atitudes: estabeleceu que os valores porventura subtraídos pelos assaltantes que viessem a superar o limite de R$400,00 deveriam ser restituídos pelos empregados, conforme explicado pela testemunha.
"Irrelevante a alegação da reclamada de que orientava seus empregados a não reagirem aos assaltos, já que, contraditoriamente a tal medida de cunho apenas retórico, esta procedia aos descontos dos prejuízos que ultrapassassem R$400,00, acabando por levar o empregado a cogitar medidas meramente paliativas, como esconder o dinheiro ou qualquer outra manobra que lhe pudesse proteger, ainda que de maneira precária, de eventual prejuízo financeiro. E tudo sob o risco de o assaltante descobrir o engodo e se enfurecer ainda mais, descontando sua raiva em quem menos a mereceria. Pois é. A situação ora em exame era exatamente aquela descrita em consagrado dito popular, o qual transcrevo, com a devida vênia: se correr o bicho pega; se ficar o bicho come. Não existe meio termo. É perder ou perder, ou seja, perder a vida instantaneamente ou perder, pouco a pouco, o fruto de seu trabalho destinado a seu sustento e à manutenção digna de sua existência", ponderou a magistrada.
Ela registrou ainda na sentença que a empregadora tentou impor aos seus empregados o que denominou de processo de cauterização do sofrimento, no qual o empregado ia ficando calejado e acostumado com esta vida travada em verdadeiro campo de batalha, por meio de absurda atribuição compartilhada pelo risco do empreendimento. "De tão à vontade em sua postura, passou a reclamada a se comportar como se o estado atual de criminalidade, por ser tão inafastável e de responsabilidade apenas estatal, pudesse ter suas consequências compartilhadas por todos, numa grande corrente de vítimas que se apoiam e partilham entre si a insegurança, a mágoa e os prejuízos, enquanto apenas ela própria, a empresa empregadora, usufrui sozinha dos lucros auferidos", pontuou.
Ressaltando que a situação vivenciada pela empregada levou-a um estado de fragilidade emocional, com acentuado quadro de depressão, choro fácil, insônia e irritabilidade, a magistrada concluiu ponderando que o fato de a empregadora não ter o dever de oferecer segurança pública a seus empregados não lhe dá o direito de expô-los ainda mais a riscos e a situações de medo e angústia, forçando-os, ainda que de maneira indireta, a escolher, por vezes, entre a intangibilidade de seu salário e a própria vida.
Assim, diante da falta de garantia da incolumidade física e mental da trabalhadora, além de outras faltas constatadas (acúmulo indevido de funções e não pagamento do tempo à disposição), a magistrada deferiu a rescisão indireta, bem como indenização por danos morais arbitrados em R$13.000,00.