TRT3: Empregado que recebe salário mínimo não pode ser fiador do próprio empregador

O que leva um empregador a solicitar que uma empregada assuma o papel de fiadora para garantir o financiamento do capital de giro da empresa? Como poderia uma instituição financeira formalizar esse contrato de fiança, sem levar em conta a realidade social dos envolvidos? Se o empregador, que geralmente tem maior poder econômico, não teve capacidade de honrar o compromisso assumido, como poderia a empregada ter condições de pagar a dívida, já que ela depende do salário pago pela empresa para seu sustento?

Essas foram as principais questões levantadas pela juíza Ana Luiza Fischer Teixeira de Souza Mendonça, no julgamento de uma ação que tramitou perante a 2ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora. A julgadora vislumbrou a negligência do banco, que não se importou com o fato de a fiadora ser empregada da beneficiária do empréstimo e de receber apenas um salário mínimo por mês. A magistrada considerou também abusiva a postura patronal, pois, por mais "amizade" que possa se instalar no seio de uma relação patrão/empregado, o fato é que "pedido" ou "solicitação" da empregadora soa como ordem.
 
O objetivo da fiança é ampliar as garantias do credor em relação à percepção do crédito. Portanto, pelo princípio da boa-fé objetiva, não se pode admitir que o credor aceite como fiador alguém que, notoriamente, não teria capacidade de honrar o compromisso assumido. Assim, não é razoável que um empregado seja fiador do próprio empregador, principalmente quando o salário recebido é inferior à própria prestação mensal assumida pelo empregador no financiamento. Se, por qualquer razão, o empregador não quitar o débito, é óbvio que o empregado também não poderá honrar o compromisso assumido. Entretanto, a ação ajuizada pela reclamante revelou que nem sempre isso é observado. Um dos pedidos da trabalhadora envolve o cancelamento da fiança prestada em contrato bancário.
 
Entendendo o caso: A empregada foi admitida em janeiro de 2011, por uma empresária, para exercer a função de vendedora, mediante a remuneração de R$590,00 mensais. Em janeiro de 2013, a vendedora assinou, na condição de fiadora, um contrato de empréstimo junto ao Banco do Brasil, cuja beneficiária era a sua própria empregadora. Entretanto, a empresária não arcou com o pagamento do empréstimo, fato que originou uma dívida e a inclusão do nome da vendedora na lista de inadimplentes do SPC e do SERASA. Nesse contexto, a empregada ajuizou ação trabalhista, postulando a nulidade do encargo de fiança assumido, a rescisão indireta do contrato de trabalho e a condenação da empresa e do Banco reclamado ao pagamento de uma indenização pelos danos morais experimentados.
 
A empresa não negou os fatos, mas apenas acrescentou que a reclamante assumiu o encargo de fiança por livre e espontânea vontade, em face da amizade e confiança existentes entre ela e a sócia de sua empregadora. Em sua defesa, o Banco reclamado alegou que apenas praticou negócio jurídico lícito.
 
Em sua análise, a magistrada ressaltou que é inadequada a afirmação de que a reclamante foi enganada na ocasião da assinatura do contrato de fiança, já que a redação deste é bastante clara e acessível. Para a juíza sentenciante, merece mais crédito a tese de que a reclamante aceitou o encargo de fiadora conscientemente, em auxílio à sócia da empresa, por uma questão de amizade e confiança, porém, sem imaginar que a empregadora não pagaria a dívida. Por essa razão, a julgadora afastou a tese de que o contrato tivesse sido fraudulento. No entanto, deu razão à trabalhadora quanto ao argumento de que o contrato em questão acabou por transferir à empregada os riscos do empreendimento. "E isso sim, não pode ser admitido, porquanto confrontante com o artigo 2º da CLT e o princípio da alteridade, que impõe ao empregador arcar com os ônus e os riscos da atividade econômica", completou.
 
Na avaliação da juíza sentenciante, a culpa do banco está na sua negligência ao formalizar o contrato de empréstimo, mesmo estando ciente de que a trabalhadora, desde a concretização do negócio jurídico, era empregada da beneficiária do empréstimo e auferia renda de um salário mínimo mensal. Ela constatou que os prepostos do banco que finalizaram os termos do contrato procuraram apenas cumprir um requisito meramente burocrático e formal da avença, sem levar em consideração a realidade social dos envolvidos, em clara violação ao princípio da boa-fé objetiva. Assim, concluiu a julgadora que o direito do banco de negativar o nome da trabalhadora e de cobrar a dívida está amparado em um contrato viciado em sua origem, firmado fora do princípio da boa-fé objetiva, em evidente extrapolação dos limites da liberdade de contratar. Na visão da juíza sentenciante, é inquestionável o fato de que o banco reclamado contribuiu ativamente para o evento danoso, que poderia ter sido evitado com a adoção de um mínimo de cautela de sua parte, de modo a evitar o dano moral sofrido pela trabalhadora.
 
Diante desse quadro, a magistrada condenou os reclamados, de forma solidária, ao pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00, e, além disso, declarou nula a fiança prestada pela trabalhadora no contrato de crédito fixo. Como se não bastasse, para agravar ainda mais a situação, a empregadora admitiu que descumpriu também as obrigações trabalhistas, motivo pelo qual a julgadora declarou a rescisão indireta do contrato de trabalho e condenou a empresa ao pagamento das verbas rescisórias.
 
Somente o banco reclamado recorreu da decisão, mas o TRT mineiro confirmou as condenações impostas em 1º grau.
 
 
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região