Em decisão considerada emblemática, a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho garantiu a um trabalhador dos campos de cana-de-açúcar o direito de desfrutar de uma pausa para descanso a cada 90 minutos trabalhados. A decisão do colegiado se deu por aplicação analógica do artigo 72 da CLT, destinado aos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo).
Trabalho excessivo
Na reclamação trabalhista, o canavieiro explicou que trabalhou de forma excessiva durante os oito meses em que foi empregado da Agropecuária Orlando Prado Diniz Junqueira Ltda., no interior de São Paulo. Pediu a condenação da empresa ao pagamento de horas extras alegando extrapolação das jornadas diária e semanal, ausência de intervalo para alimentação e não cumprimento das pausas para descanso, asseguradas pela Norma Regulamentadora (NR) 31, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Ao juiz do trabalho de Morro Agudo (SP), o representante da empresa afirmou que o horário do trabalhador era de oito horas diárias, com intervalo para refeição de uma hora e mais duas pausas de 15 minutos cada, para descanso.
Apurados os fatos, o juiz de primeiro grau constatou que o intervalo usufruído era somente de 30 minutos. Desse modo, condenou a empresa ao pagamento das horas correspondentes. Em relação às pausas, o pedido foi julgado improcedente, com o entendimento de que os possíveis descumprimentos da NR 31 do TEM somente configurariam infração administrativa.
O canavieiro recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) pretendendo a reforma de alguns aspectos da sentença, inclusive o relativo às pausas. Ao analisar o recurso ordinário, o Regional entendeu que o empregado tinha razão e reconheceu-lhe o direito ao pagamento das horas extraordinárias.
Proteção
De acordo com a decisão do TRT, a legislação trabalhista tem evoluído no sentido de criar mecanismos de preservação da integridade física e mental dos trabalhadores. Nessa tendência, há especial atenção à concessão de intervalos para descanso, com criação de pausas para aqueles cuja saúde e segurança correm mais riscos, em razão de suas atividades.
Esse foi, segundo o TRT-15, o propósito da NR 31, que regulamentou as pausas na cultura agrícola. A regra protege aqueles cuja atividade é prestada necessariamente em pé e os que desenvolvem atividades que exigem sobrecarga muscular estática ou dinâmica.
Os magistrados registraram que o trabalho do cortador de cana implica movimentos repetitivos, situação similar à dos mecanógrafos e digitadores, aos quais foram garantidos intervalos regulares remunerados de dez minutos a cada 90 minutos. Consideraram ainda o grande esforço físico empreendido na lavoura açucareira, superior, inclusive, ao daqueles que já têm garantida a proteção legal.
Assim, em consideração ao trabalho altamente penoso da categoria e ante a ausência de normas regulamentadora de pausas, e ainda considerando os princípios constitucionais, em especial os que cuidam da dignidade da pessoa humana, tutela da saúde e redução dos riscos inerentes à atividade de cortador de cana, aplicou-se analogicamente o artigo 72 da CLT, assegurando ao autor da ação trabalhista o intervalo para descanso ali previsto.
Decisão emblemática
A empregadora recorreu ao TST argumentado que não poderia ser condenada pela concessão irregular de intervalos, pois o descumprimento da NR 31 constituiria simples infração administrativa. Defendeu, também, a inaplicabilidade analógica do artigo 72 daCLT ao caso.
O recurso de revista foi analisado pelo presidente da Sexta Turma, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que ratificou o acórdão regional. Para o relator, a ausência de previsão legal específica não impede a aplicação do dispositivo da CLT, considerando a autorização contida no artigo 8º da mesma lei trabalhista para que, nessas situações, se decida por analogia.
Segundo explicou o ministro Aloysio da Veiga, o esforço desse tipo de atividade é repetitivo e resulta em grande desgaste físico e mental. O trabalhador "chega a desferir até mais de 10 mil golpes de podão diariamente, fora a intensa movimentação dos membros superiores", destacou, citando os dados da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional.
A decisão de negar provimento ao recurso empresarial foi unânime. Ao fim do julgamento, o ministro Augusto César de Carvalho destacou a importância da decisão e sua repercussão social para a categoria.
(Cristina Gimenes/CF)
Processo: RR-54-58.2011.5.15.0156