Presidente da OAB do Rio de Janeiro comenta a decisão da Seccional fluminense, de facultar o uso de terno pelos advogados, e as repercussões que a medida já produziu
Li neste espaço a opinião de respeitável magistrado, o desembargador Benedicto Abicair, que critica a decisão da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, de facultar aos advogados fluminenses o uso do terno completo durante o inclemente verão que vivemos. Tal visão apega-se ao rigor das tradições de etiqueta, mas demonstra na prática total descompasso com o tempo presente e com o que acontece nas ruas da cidade. A sensação térmica tem beirado os 50 graus e pode ampliar, visto que a incidência de raios ultravioleta na região está entre as maiores já registradas. Nas emergências hospitalares acumulam-se casos de desidratação, desmaios e alterações na pressão arterial. A tal ponto que a prefeitura concedeu aos profissionais de serviços públicos (guardas municipais, garis e motoristas de táxi) o direito de utilizar roupas nais leves.
 
Foi neste sentido, de preservação do bemestar do advogado, que a OAB/RJ tomou a medida. O ato presidencial 68, de 4 de dezembro de 2013, dá ao profissional a opção, durante as atividades do dia a dia até o fim do verão, de escolher entre o uso do já estabelecido terno ou de trajes mais adaptados ao clima feroz desta época do ano (especificamente camisa e calça sociais). Um ou outro, portanto. A mesma regra é válida para as sessões oficiais realizadas no plenário da Ordem, não havendo assim nenhuma contradição. O que propusemos foi oferecer uma alternativa para a grande maioria dos profissionais que precisa transitar nas ruas sob temperaturas escaldantes. Com isto, a OAB/RJ prioriza a condição humana que, pelo que nos consta, está acima dos preceitos e preconceitos associados a protocolos importados de outras culturas. Em nenhum momento pregamos o desrespeito a ritos processuais jurídicos, tampouco aos aspectos de natureza ética e moral.
 
É esta mesma sensibilidade que cobramos dos tribunais, que, muitas vezes, perpetuam tradições europeias sem qualquer respaldo prático na vida social brasileira. A evolução que transformou antigas liturgias nas últimas décadas, em diferentes campos, fala por si. E vem tornando a sociedade mais democrática. Assim como democrática foi a medida tomada pela Ordem. Afinal, o sol do verão tropical atinge a todos nós, sem distinguir raça, credo ou condição financeira.
 
Felipe Santa Cruz é presidente da OAB/RJ.
 

Artigo publicado no jornal O Globo