TRT reconheceu o vínculo entre o trabalhador e condomínio informal, condenando uma das tomadoras dos serviços ao cumprimento de obrigações próprias da relação empregatícia
A Carteira de Trabalho e Previdência Social, a conhecida CTPS, é um documento fundamental para o trabalhador, pois nela fica registrada toda a vida funcional do empregado: os cargos que ocupou, os empregadores que teve, os locais onde trabalhou, a evolução salarial e da carreira, os períodos de férias que gozou. Enfim, quase um diário de toda a vida profissional e a memória viva do trabalhador. Cultivada como um cartão de visitas daquele que busca o emprego, a CTPS é mais do que isso: ao trazer todas as informações sobre os contratos de trabalho, ela possibilita ao empregado o reconhecimento de seus direitos trabalhistas e previdenciários. Disciplinada pelos artigos 13 a 56 da CLT, a Carteira de Trabalho foi introduzida no Brasil pelo Decreto 21.175, de 21 de março de 1932, antes mesmo de entrar em vigor a CLT, em 1943. No início, o uso da CTPS era facultativo, mas, atualmente, ela é obrigatória para o exercício de qualquer modalidade de trabalho regido pela legislação trabalhista.
 
Exatamente pela importância que tem para o trabalhador, a integridade e o teor do documento mereceu atenção especial do legislador. O artigo 29 da CLT lista, em caráter taxativo, as anotações que podem ser feitas na carteira do trabalhador: nada mais que data de admissão, remuneração, cargo e condições especiais, se houver. E veda ao empregador, em seu parágrafo 4º, a anotação de informações desabonadoras sobre o empregado. Diante disso, a Justiça do Trabalho de Minas tem reconhecido a configuração de dano moral ao trabalhador nos casos em que o empregador faz na CTPS anotações não previstas na lei ou que podem ferir a imagem profissional do seu portador.
 
Na Vara do Trabalho de Alfenas-MG, o juiz Frederico Leopoldo Pereira considerou ofensiva ao patrimônio moral da trabalhadora a anotação feita na carteira profissional dela: o empregador sobrepôs a palavra "cancelado", em diagonal, sobre toda a extensão da página onde estava o registro do contrato de trabalho da reclamante. ¿O artigo 29, da Carta de Vargas, suplementado pelos termos da Portaria Ministerial de nº 41/2007, estabelece o estreito estuário das anotações passíveis de lançamento no documento profissional dos trabalhadores¿, alertou o juiz, ressaltando que a anotação, da forma como efetuada, não está entre as previstas na lei.
 
O magistrado lembrou que os usos e costumes em vários pontos do país, e em especial em Minas Gerais, fazem com que os empregadores rejeitem os candidatos a emprego cuja carteira profissional estampe uma anotação como essa, que soa como uma "espécie de nódoa" ou mácula na vida profissional: "De fato, principalmente porque não há nota explicativa para aquele tipo de lançamento, o trabalhador carrega a partir de então no principal documento de onde emerge a quase maioria dos direitos previstos na legislação social, verdadeiro estigma permeado pela perene desconfiança de terceiros de que o pretenso cancelamento do contrato de trabalho haja ocorrido por conta de alguma grave e ilícita conduta de seu portador".
 
A defesa alegou que a nota de cancelamento visou apenas corrigir equívoco no registro do contrato, que apontou como empregadora a pessoa jurídica, quando deveria indicar como contratante a pessoa física e descrever o contrato de trabalho doméstico. Mas, para o juiz sentenciante, ainda que se admita a falta de malícia ou intenção de lesar, isso não basta para afastar a obrigação de indenizar pelos danos morais causados à empregada. Para ele, a ré extrapolou os limites da razoabilidade, pois, se pretendia apenas invalidar o registro equivocado, bastaria ter lançado nota explicativa no campo destinado às anotações gerais, com breve remissão na folha onde ocorreu o registro indesejado. "Praticada de forma anormal e sem motivo justificável, a conduta da reclamada provocou a quebra desnecessária do equilíbrio e harmonia das coisas, causando prejuízo que a ordem jurídica reputa indenizável", concluiu.
 
Reconhecendo que o patrão agiu fora dos trilhos da legalidade, o que gerou, em consequência, o dano para a trabalhadora, o juiz entendeu desnecessária a prova específica do dano moral, que, nesse caso, é presumido, ensejando a reparação. Como bem lembrou o magistrado, o constrangimento da reclamante irá perdurar enquanto permanecer utilizável o documento profissional onde o réu lançou o carimbo desabonador.
 
Considerando a gravidade, extensão e repercussão da falta, além dos efeitos pedagógicos da medida judicial, o juiz sentenciante arbitrou em R$1.000,00 o valor a indenização a ser paga à trabalhadora. Não houve recurso da decisão, que se encontra agora em fase de execução.
 
( nº 01064-2012-086-03-00-0A crescente criminalidade e a sensação de insegurança têm elevado a contratação de segurança privada clandestina. Muitas vezes um grupo de moradores se reúne e contrata informalmente um vigia de rua que recebe um valor mensal, rateado por todos os contratantes. A estimativa do Sindicato das Empresas de Segurança e Vigilância (SINDESP-MG) é de que já são 60 mil profissionais irregulares em Minas. Em contrapartida, os profissionais habilitados são cerca de 30 mil.
 
Mas qual é a natureza jurídica desse trabalho? Ao analisar o caso de um vigia de rua, a 6ª Turma de TRT-MG entendeu que a relação é típica de emprego, nos moldes do artigo 3º da CLT. Nesse contexto, decidiu confirmar, por unanimidade, a sentença que reconheceu o vínculo entre o trabalhador e um condomínio informal, condenando uma das tomadoras dos serviços ao cumprimento de obrigações próprias da relação de emprego.
 
No caso, o reclamante ajuizou a ação apenas em face de uma loja situada na área que ele vigiava. Para o relator, desembargador Jorge Berg de Mendonça, isso não é problema, pois cabe à parte autora eleger contra quem vai demandar em juízo. "Nada impede que o autor busque receber seus direitos apenas em face de quem ele considere seu verdadeiro empregador direto", destacou. Analisando as provas do processo, ele constatou que o vigia trabalhava pessoalmente para a loja e para mais alguns vizinhos, recebendo pagamento de todos. O trabalhador, inclusive, tinha acesso parcial ao estabelecimento da ré, não acreditando o relator que não se sujeitasse às ordens dela.
 
Em seu voto, o magistrado lembrou que o trabalho subordinado é a característica principal da relação de emprego. Ele se verifica quando prestado em favor de alguém que paga o salário combinado e dispõe da força de trabalho contratada ou a utiliza em seu empreendimento, cujos riscos assume. Nessa linha de raciocínio, considera-se empregador quem contrata e remunera diretamente um vigia noturno, para proteção de seu patrimônio. Se a vigilância é feita a partir de postos situados nas imediações e o trabalho é prestado para outros vizinhos, isso pouco importa, no entendimento do julgador. "Os pressupostos da relação de emprego, no caso, estão estabelecidos, diretamente com o empreendimento em proveito do qual a vigilância foi feita", registrou na decisão.
 
A relação de emprego entre as partes ficou evidente. Seja por presunção, advinda do fato de a loja ter reconhecido a prestação de serviços durante certo tempo, sem prova de qualquer autonomia. Seja pela prova, que revelou que a prestação de serviços se revestia dos pressupostos exigidos para tanto (artigo 3º da CLT). O relator não teve dúvidas de que o vigia trabalhava pessoalmente e se subordinava às ordens dos tomadores, inclusive quanto ao cumprimento de horários. Conforme ressaltou, o caráter empregatício se deu em relação à reclamada e aos demais tomadores. A subordinação mais tênue foi considerada normal, diante da peculiaridade da função. "Ora, não era de se esperar que a ré precisasse permanecer no local emitindo ordens para o autor, pois a função é simples e, do contrário, a presença da contratante tornaria desnecessária a proteção patrimonial a que o autor se destinava", ponderou.
 
A existência de um condomínio informal foi reconhecida no caso, aplicando-se, por analogia, a Lei 2.757 de 23 de abril de 1956, a qual excluiu do trabalho doméstico os porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais, desde que a serviço da administração do edifício e não de cada condômino em particular. Portanto, o vigia não foi considerado doméstico.
 
Por fim, o relator considerou correta a solução encontrada na sentença, que fixou a parcela de responsabilidade da ré em 15% do montante calculado sobre os salários. Aplicando o artigo 1.317 do CPC, ele reconheceu que a reclamada se obrigou ao pagamento apenas da parte dela nas obrigações da relação de emprego. "Do contrário, o autor poderia demandar contrato de todos os que o contrataram e receberia o equivalente a "n" salários por uma só e mesma jornada de trabalho, ou pela vigilância de um só conjunto, o que atenta contra a razão", refletiu. O reclamante conseguiu obter ainda a condenação da loja ao pagamento de adicional noturno e reflexos.
 
( 0000701-28.2012.5.03.0067 RO ) )