Acompanhando o voto do desembargador Anemar Pereira Amaral, a 6ª Turma do TRT-MG considerou inválida a homologação de transação extrajudicial na qual o reclamante abdicava de mais de 97% do seu crédito. Os julgadores reformaram a decisão homologatória que havia encerrado o feito, determinando o retorno dos autos à Vara Trabalhista para prosseguimento da execução.
O reclamante celebrou um acordo, sem a participação de seus advogados, com terceiro interessado, que teve penhorado um caminhão de sua propriedade. Pelo combinado, o trabalhador receberia R$3 mil após a homologação do acordo e desistiria da penhora efetuada sobre o veículo, o qual deveria ser liberado ao terceiro interessado. A execução continuaria em face do reclamado.
O juiz da execução designou então uma audiência de conciliação. Nela compareceram as partes e seus advogados, quando o reclamante confirmou que estava renunciando a todos os créditos do processo. O juiz fez constar da ata que já teria esclarecido e advertido o trabalhador por diversas vezes sobre os riscos e as possíveis consequências desse ato. Ele registrou que explicou à parte que ela não poderia mais prosseguir com o processo, diante do feito. Ao perguntar se o reclamante pretendia mesmo abrir mão do crédito, que já ultrapassava R$ 100 mil, ouviu que sim. O advogado do reclamante, por sua vez, consignou que não concordava com essa renúncia. O magistrado, então, extinguiu o processo de execução, aplicando ao caso o artigo 794, inciso III, do CPC (“Extingue-se a execução quando: III – o credor renunciar ao crédito”). Contra essa decisão recorreram os advogados do reclamante e conseguiram reverter o entendimento.
O relator aplicou ao caso o princípio da irrenunciabilidade, pelo qual são considerados nulos de pleno direito quaisquer atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na CLT (art. 9º). Ele explicou que o acordo não poderia ser homologado, por ser totalmente prejudicial ao trabalhador, que é a parte mais fraca da relação. E estranhou o fato de, em processo que se arrasta há quase dez anos, o trabalhador braçal (função de ajudante), semi-alfabetizado (mal consegue desenhar o nome), aceitar, livremente, as condições em que o acordo foi entabulado. O desembargador simplesmente não acreditou que o reclamante poderia ter aceitado receber menos de 3% do valor que tinha direito, o qual já passava de100 mil reais.
“Ora, a grande desproporção entre o valor do acordo e a conta apresentada, somada à notória hipossuficiência do obreiro, gera a presunção de que houve vício de vontade do exequente, até mesmo porque os advogados manifestaram sua discordância com o acordo celebrado isoladamente pelo autor”, registrou no voto, lembrando, inclusive, que a decisão dos embargos de terceiro que reconheceu a fraude de execução já havia transitado em julgado. Assim, não havia maiores indagações acerca da má-fé do executado na alienação do bem penhorado.
O desembargador ponderou que o magistrado não pode ficar a mercê das partes ou figurar como espectador passivo e indiferente diante de uma injustiça iminente. Nesse sentido, o artigo 129 do CPC faculta ao juiz proferir sentença que obste os objetivos das partes, quando ficar convencido, pelas circunstâncias da causa, de que se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei. Ademais, ao juiz não é imposto homologar acordo. A propósito, a Súmula nº 418 do TST prevê que “A concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”.
“O ajuste estabelecido entre as partes não se trata de transação, mas evidente renúncia a direitos trabalhistas, na medida em que não houve concessões recíprocas, o que não pode ser chancelado por esta Justiça Especializada, porquanto colide com o princípio protetor que norteia o Direito do Trabalho”, concluiu no voto, reportando-se ao artigo 5º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que dispõe que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Na fundamentada decisão, o relator ainda se valeu da lição do Professor Mauro Schiavi sobre a aplicação do inciso III do artigo 794 no Processo do Trabalho. De acordo com o ensinamento, o Juiz do Trabalho deve sempre ouvir o reclamante se houver transação na execução, deixando de homologá-la se houver prejuízo para ele. Também foram citadas decisões proferidas pelo TRT de Minas a respeito, lembrando o desembargador, ao final, que a atividade jurisdicional no sentido de não conceder a homologação do acordo encontra-se devidamente alicerçada no livre convencimento do julgador (CPC, art. 131 do CPC).
Por tudo isso, a Turma de julgadores deu provimento ao recurso para declarar nula a transação extrajudicial homologada em 1º Grau, determinando o prosseguimento da execução, conforme se entender de direito.
Fonte: TRT 3